29 de jan. de 2010

Um meio-termo sensato

Resolvi, afinal, o suposto dilema
Que enfrenta o poeta entre a espada e a pena.
Corto cabeças com uma num dia
E no outro, com a outra, escrevo elegias.

19 de jan. de 2010

Lugar Comum

Vou usar e abusar do chavão:
Fazer todo um poema de rimas
Desgastadas, cansadas, cretinas.
Vou rimar “coração” e “paixão”.

Vou usar só palavras banais,
Desfiar rimas burras e pobres
Até que nenhuma mais sobre
No meu velho e surrado Houaiss.

Vou fazer construções qualquer-nota,
E usar, sem ter medo nenhum,
Um milhão de lugares comuns
E as hipérboles mais idiotas.

Não faz mal se for tudo clichê,
Pois no fim resta salvo o poema
Se tiver algo raro por tema
E esse algo, meu bem, for você.

18 de jan. de 2010

Tradução de um poema de W.B.Yeats

MEN IMPROVE WITH THE YEARSxxxxxxxxxxSÃO MELHORES OS VELHOS

I am worn out with dreams;xxxxxxxxxxDe tanto sonhar, canso;

A weather-worn, marble tritonxxxxxxxTritão de mármore gasto

Among the streams;xxxxxxxxxxxxxxxxxxEntre os remansos;

And all day long I lookxxxxxxxxxxxxxE o dia todo miro,

Upon this lady's beautyxxxxxxxxxxxxxSenhora, tua beleza

As though I had found in a bookxxxxxTal qual retratada num livro

A pictured beauty,xxxxxxxxxxxxxxxxxxA tua beleza,

Pleased to have filled the eyesxxxxxGrato pelos ouvidos

Or the discerning ears,xxxxxxxxxxxxxE pelos olhos cheios,

Delighted to be but wise,xxxxxxxxxxxPor ser sábio agradecido,

For men improve with the years;xxxxxPois são melhores os velhos;

And yet, and yet,xxxxxxxxxxxxxxxxxxxMas, não obstante,

Is this my dream, or the truth?xxxxxSerá isto um sonho, ou não?

O would that we had metxxxxxxxxxxxxxAh, ter-te visto antes,

When I had my burning youth!xxxxxxxxEnquanto jovem varão!

But I grow old among dreams,xxxxxxxxMas sonho e passam os anos,

A weather-worn, marble tritonxxxxxxxTritão de mármore gasto

Among the streams.xxxxxxxxxxxxxxxxxxEntre os remansos

11 de jan. de 2010

Niilismo de botequim

Não é qu’eu ‘tava no barzinho
bebendo quieto, sossegado,
quando, pra minha surpresa,
sem sequer pedir licença,
chega Deus e senta à mesa?
E, não bastasse o descaso
com a minha descrença,
‘inda matou minha cerveja.

E eu, “Porra, Eheieh, que saco!
Isso é coisa que se faça?
Quer beber, vá lá que seja,
mas pelo menos pede outra taça!”

Ele deu um sorriso maroto,
roubou meu bolinho de bacalhau,
levantou e disse, “Sê besta, garoto.
Vai esquentar a cabeça com isto?
Foi só um golinho e, afinal,
que importa? Eu não existo!”

8 de jan. de 2010

Marcas

Trago como um distintivo
estas linhas sobre as costas
meio retas, meio tortas,
gravadas na carne viva.

Se entrecruzam cicatrizes
sobre meu dorso marcado
de alto a baixo, lado a lado.
"Mas que absurdo!", dizes.

Explico o que aconteceu:
Mulheres têm longas unhas
E algumas usam as suas
como ferro de marcar: "É meu!"

Se me importo? Ora, não!
Reconheço, claro, a posse
e mesmo que assim não fosse,
são um selo de aprovação.

São testemunha silenciosa
de noites de pouco dormir
que deixa como souvenir
minha amada quando goza.