26 de nov. de 2009

Parto

Não me peça calma,
nem tamanho apreço
pelo comedimento.
Só quero agora
rasgar a alma,
me virar do avesso,
te tirar de dentro

e ir embora.

24 de nov. de 2009

Ton-sur-ton

Agora não quero falar
de coisas coloridas,
bonitas, delicadas,
de flores e borboletas.
Não quero falar de nada.
Hoje estou monocromático.

Por que não cantar o cinza
duro, frio, onipresente?
Os diversos tons de cinza
sobre cinza da cidade?

E uma vez cantado o cinza,
concreto armado e neblina,
e pintada a cidade em P/B,
aí, sim, falar de flores
e até, talvez, borboletas.
Sobre o fundo de cimento
não mais apenas bonitas,
mas praticamente perfeitas.

23 de nov. de 2009

Apêndice

Para ela o cara era
pouco mais que um afterthought:
do soneto o estrambote.

O problema do coitado
é que, só, não tinha jeito:
estrambote sem soneto.

16 de nov. de 2009

Terra Arrasada

Bateste em franca retirada.
Te ocultaste além do horizonte,
mulher que outrora chamei “Amada”.
E quem saberá dizer onde, e quão longe,
fica a muralha que te esconde?
A cama que foi nossa um dia
– e, por mim, ainda seria –
é o leito de um rio morto
(antes água, hoje lodo).
Entre uma margem e outra,
sumidouro, atoleiro, fosso:
queimaste a última ponte,
não resta vau, nem passagem,
e nem mesmo o próprio Caronte
se atreveria a fazer tal viagem.
Da minha margem diviso a tua,
que por léguas ao fundo e ao largo
fizeste estéril, calcinada e nua,
como quem dissesse, “Delenda Cartago”.

12 de nov. de 2009

Melhor

Quem sabe, um dia desses,
não faço um texto bonito,
com palavras que ninguém nunca diz?
Coisas como, sei lá, "plenilúnio",
"melenas", "primaveril".
Quem sabe não dou sorte
e emplaco uma mesóclise
de dar inveja aos parnasianos?
Mas não, melhor não mudar nada,
nem tentar escrever
como faziam há duzentos anos:
não dá pra ser o que eu não sou.
Prefiro escrever do meu jeito,
verso, prosa e rock'n'roll.

11 de nov. de 2009

Blecaute

Era pleno horário nobre
e apagaram a cidade
(blecaute, meu bem, blecaute).
Ainda bem que nós nos temos
e com quê passar o tempo
pelo tempo que a luz falte.

9 de nov. de 2009

Perspectiva

Como se sabe, duas paralelas
só se encontram no infinito.
Vai ver que somos como elas
e que é justamente por isso
que sempre faço papel de otário:
seu ponto de fuga é ao contrário.