22 de fev. de 2011

Cautela

Atentai ao que vos digo,
escutai, varões, o conto,
triste sina de um amigo
que, de um golpe, viu-se roto.
Não faz mais xixi de pé:
do seu membro outrora altivo
não sobrou senão um toco.
Dai-vos conta deste aviso,
não façais ouvidos moucos –
não useis o fecho éclair
se criais o bicho solto.

16 de fev. de 2011

Objetiva

Nas quitandas e esquinas,
com retinas mecânicas;
nos bancos e elevadores,
através de pupilas estreitas,
a Cidade é um animal,
um predador que me espreita
em preto-e-branco ou em cores
com mil olhos de cristal.

14 de fev. de 2011

.GIF Animado

“Agora vai, já tá quase:
falta só por uns anjinhos,
umas letras coloridas,
dois ou três erros de crase.
Métrica? Ritmo? Pra quê?
E daí que é só chavão?
O que importa é que tá lindo
e escrevi de coração”

(nunca sai nada que preste.
Sou mais injeção na testa
que essa poesia canhestra
que grassa pela Internet.
Ah, poesia burra e pobre,
arremedo de literatura:
não vale os bytes que ocupa
nos servidores dos blogs).

12 de fev. de 2011

PB

Caiada de branco a igrejinha da matriz.
Pedra sim, pedra não, caiado o meio-fio.
E os tijolos que demarcam os limites dos canteiros
e os separam dos passeios.
E os troncos das árvores e os postes caiados
(até a altura de um metro e meio).
Caiados os bancos e as colunas do coreto.

Com todo esse branco, com tanto contraste,
como explicar a invisibilidade
do menino que dome com fome e com medo?

3 de fev. de 2011

A Faca

I - Do que É
Resume-se a faca, essencialmente,
a dois principais componentes:
a “Lâmina” e o “Cabo”.
Pelo Cabo seguramo-la,
jamais pela Lâmina,
de tal maneira e tal sorte
que descanse o “Fio”, ou “Corte",
sobre o que se pretende cortar.

II - Do que não É
Jamais confundir ferramentas.
Uma Faca é uma Faca,
não é uma chave de fenda,
nem é tampouco um martelo
No reino dos instrumentos
a Faca é o mais belo;
a Faca é o mais nobre.
Reservam-se-lhe outros usos
que lhe façam jus ao Corte.
Com uma Faca não se quebra gelo,
nem se aperta um parafuso.

1 de fev. de 2011

Enxaqueca

No escuro do quarto,
depois da partida,
tardia e bem-vinda,
do demônio incandescente
que me rasga ao meio a mente,
me oculto e resguardo.
Na casa vazia,
as cortinas me defendem
do sol que queima as retinas.
A bile agre-amarga:
legado da overdose de aspirina,
desse sacramento químico
– exorcismo, salvação –
em que busco alento, alívio,
em vão.