24 de jun. de 2009

Poema de amor?

Se eu quero um amor?
Quero, sim, por quê não?
Mas não me venha com esses
de bichinhos de pelúcia,
vinhos caros e bombons.
Quero amor caco de vidro.
De ressaca de bourbon.

Não um amorzinho belo,
amor flores e arco-íris,
serenatas, violinos.
Se vier amor, que seja
concertina, amor tormenta,
tatuagens, overdrive.

Muito menos um amor
com flechinha de cupido.
Seja um amor violento,
um amor bala perdida,
um amor ponto cinquenta,
um amor roleta russa.

E nem me venha com essa
de amor de coração.
Um amor só me interessa
se for desses que se sente
como um soco no estômago
e, de resto, tão sutil
quanto um bom chute no saco.

22 de jun. de 2009

De Árvores e Avatares

Por onde andará Omar Khayyám? Será que chora pelas mulheres de véus negros prensadas contra as grades pela tropa de choque? Será que tenta estender as mãos sobre elas enquanto suportam, bravas, os cassetetes? Será que é sua voz que ouvimos vinda do homem que, do outro lado das grades, grita com a soldadesca? Será que é de Khayyám a mão que tenta, desesperada, trazer Neda de volta? Será Khayyám quem urra quando ela fecha os olhos?

Será que Khayyám se sente tão impotente quanto a gente, que vê tudo tão de longe que daria na mesma estar morto há séculos? Será que tem internet no Paraíso? E, se tem, e se é que Khayyám lá está, será que pinta seu avatar de verde numa tentativa frustrada de se sentir menos distante?

Neda sangrou pela boca, pelo peito, pelo nariz, em praça pública, na frente do mundo todo. Será que a gente se pintar de verde na Internet está de qualquer maneira à altura de Neda pintada de vermelho por um covarde?

Jefferson bem que avisou: a árvore da liberdade exige rega ocasional com sangue. Dos patriotas e dos tiranos. Fez bem o velho Thomas ao enunciar nessa ordem os sacrifícios. Porque parece que sangram os patriotas mais do que os tiranos.

19 de jun. de 2009

Saindo do Eremitério, Parte I

Lá para meados de outubro do ano passado resolvi que precisava dar um tempo com relacionamentos de todo o tipo. Quem me conhece sabe por quê. Quem não conhece, sorry folks, mas não estou a fim de falar nisso. Sabe aquele dito popular do urubu com azar? Então: eu era o mais de cima de todos, aquele que a gente vê como um pontinho contra o céu (e só se estiver em dia com o oftalmo).

Enfim, lá fui eu pro meu sabático, retiro, chame como quiser. E decidido a lá ficar até ter conseguido engolir, digerir e eliminar um monte de coisa. Queria ter certeza de que não ia contaminar relacionamentos futuros com o lixo tóxico dos anteriores. E, fora uma escorregada no fim de novembro, até que deu para segurar.

Me dei alta lá pro começo de março, com duas decisões tomadas: achar alguém que valesse a pena e, enquanto não achasse, entrar numas de relacionamento casual. É que lá pelos 20, 21 anos eu resolvi que detestava relacionamento casual. One night stand me fazia mais mal do que bem. Mas pensei com meus botões que agora, mais maduro e tal, a coisa ia ser tranquila. E fui atrás das duas coisas. Recapitulando: achar uma companheira bacana e, enquanto não achasse, fazer um monte de meaningless sex.

Quando o povo que me conhece soube que eu estava de volta ao mercado, começou aquela coisa: todo o mundo tentando me vender amiga, prima, filha, ex-mulher (imagino até neguinho pensando, “Putz, quebrar uma pro cara e ainda me livrar da pensão! Quer coisa melhor que isso?”). Começou a coisa com um almoço com uma garota que conhecia pela fama, mas não pessoalmente, e que admiro pacas faz tempo. Na boa, fui para lá com toda a intenção de me interessar por ela. Só que não rolou. Não me entendam mal, sou fãzaço da moça e adorei ter conhecido. Mas — apesar das mãos delicadas e do pescoço esguio, combinação perigosíssima — química? Zero. E tenho certeza de que é recíproco.

Beleza, tudo bem, vamos em frente. Logo depois, outra senhorita, primeiro relacionamento casual. Na hora, bacana. No dia seguinte, nem tanto. Nem vem ao caso comentar. Pensei em encerrar o projeto ali mesmo. Mas eu sou cabeça-dura e resolvi insistir mais um pouco. Mesmo porque, convenhamos, eu estava a seco fazia uns meses.

Mais alguns dates arranjados por amigos, parentes e conhecidos, sem que surgisse a menor faísca de interesse por alguém. Numa festinha em casa de amiga, me aparece uma guria bonita, mas meio estranha, e se mostra altamente disponível. Trocamos telefones e fomos cada um pro seu lado. Umas duas semanas depois, ligo para ela, chamo para ir a um show de amigos e ela topa. Fiquei chupando o dedo a noite inteira. No dia seguinte, telefonou dizendo que teve que buscar uma amiga na rodoviária e sei lá mais o quê, e que topava fazer algo aquela noite. Na dúvida, combinei de encontrar num barzinho de blues onde eu iria estar de qualquer jeito. Outro cano. A essas alturas, melhor passar para a próxima da fila.

Mas não é que a gaja me liga na terça-feira seguinte, lá pelas nove da noite, perguntando se eu não queria ir para a casa dela com uma garrafa de vinho? E não é que eu fui? Mas a moçoila abriu a porta trajada de calça de moleton e camisetão. Frente à cena, pensei aqui comigo, “certo, entendi mal: ela só devia estar a fim de tomar vinho e com preguiça de ir comprar”. Papo vai, papo vem, ela levanta e diz que vai vestir uma roupa mais confortável. Bom, duas coisas. Primeira: mais confortável do que calça de moleton e camisetão? E segunda: nunca achei que alguém dissesse essa frase na vida real.

Enfim, ela foi, levou um tempinho, voltou com uma micro-saia fúcsia na altura do útero e deitou no sofá com as pernas em cima das minhas. Pois quer saber? Broxei na hora. E foi aí que cancelei de vez o projeto bootycall. Não adianta eu tentar ser alguma coisa que eu não sou. Deixando claro — tanto para mim mesmo (vai que eu esqueço) quanto para quem estiver entediado o bastante para ter lido até aqui —, fica aqui registrado: não vou nem me dar ao trabalho de começar algum relacionamento que não tenha algum potencial para ser o último relacionamento que vou começar. E foda-se.

11 de jun. de 2009

Predadores

Uma coisa que nunca vou entender é por quê diabos as pessoas são incapazes de admitir que são, sim animais. Animais como quaisquer outros. Tá bom, que seja, não como quaisquer outros porque vivem em sociedade, em grupos muito maiores do que recomendariam seus instintos e, por isso e para isso, têm que aceitar certas regras. Já diziam os xarás do tigre do Calvin e daquele cara do Lost.

Cada um de vocês é um primata. Só primata, não: primata e predador. Nós somos uns monstros de uns predadores territoriais. Altamente bem-sucedidos, diga-se. Sabem por que, entre outros motivos, a evolução nos deu um cérebro tão grande? Porque podia. E por que podia? Porque a dieta dos nossos antepassados incluía muito mais proteína do que a dos outros primatas superiores. Por isso dava para desviar uma quantidade maior de matéria-prima para a massa cinzenta.

Esses olhos que você tem na frente da cara? Traço típico de mamífero predador: de leão, de lobo, de carcaju, de ariranha. Olhos com eixos paralelos dão noção de distância, para saber onde, exatamente, está o bichinho que você vai comer daqui a pouco. Olhos colocados ao lado da cabeça — como os do carneirinho, da vaquinha, da cabrinha, do coelhinho — dão uma visão de campo muito maior, para saber de onde vem o cara que quer te comer. Quem é predador pode se dar ao luxo de não ter visão periférica tão ampla: o mais provável é que ninguém vá se meter com ele, ou ela.

Por que é mais fácil correr rápido do que correr longe? Por que alguém que esteja numa forma física apenas razoável consegue correr 100 metros rasos num tempo, afinal de contas, não tão distante assim do recorde mundial, mas é absolutamente incapaz de correr uma maratona? Porque predador não tem que correr longe. Só tem que correr mais do que a presa. Se puder correr longe e rápido, tanto melhor, parabéns a quem faz isso e tudo o mais. Mas não é a nossa aptidão natural.

Admitam, queridos. Pelos critérios que nós mesmos estabelecemos culturalmente, o homem é mau (agora vocês entenderam porque não falei do Rousseau no primeiro parágrafo, espero). Só que os critérios são cretinos, sinto informar. E causam muito mais problemas do que resolvem.

Falando sério, acho mesmo que a maioria dos nossos grandes problemas sociais vem do fato de que a maioria das pessoas pensa que é algo especial, criado à imagem e semelhança seja lá de quem ou do quê for, ou para cumprir seus desígnios. Nesse sentido, até muita gente que se dia atéia se comporta como se não fosse. Acordem, crianças: cada um de vocês é, sim, um predador. É, no fundo, muito pouca coisa além de um bicho que come outros bichos (nem me deixem começar a falar de vegetarianismo). E a sua vida vai ficar bem mais fácil na hora em que vocês admitirem.

Quem sabe que é bicho aprende a lidar com isso. E não estoura na hora errada. Nem pede arrêgo se não precisar. Sabe a reação que você tem quando leva um susto? Ou quando fica muito, muito puto? Isso se chama fight-or-flight response (claro que eu podia escrever “reação de lutar ou fugir” mas fight-or-flight soa muito melhor e, além disso,estou montando um case para outro texto). Não vou entrar em detalhes de sistema nervoso simpático, hipotálamo ou acetilcolinas. Mas o fato é que, sob condições de estresse, o corpo se prepara para lutar ou fugir. Infelizmente, hoje em dia, a maioria das pessoas está tão cagona (diga-se de passagem, a expressão vem de um dos efeitos da tal reação) que vai direto pro lado do flight, simplesmente porque é incapaz de lidar com a sensação. Quem sabe o que está sentindo, não surta com isso. Usa. Se for fight, fight. Se não der pra encarar, paciência, flight. Só que o povo está tão desacostumado que reage a qualquer coisinha e pronto, já viu, ou arreda pé sem motivo, ou solta os cachorros em cima de alguém que não tem nada a ver com nada.

Aceitem, meus caros: vocês são, sim, uns monstrinhos. Encarem a realidade e facilitem as próprias vidas.

4 de jun. de 2009

Historinha de Assombração

Às vezes vejo por aí um fantasma que nem fantasma parece. Só de olhar pra cara do fulano a gente vê que é feliz, confiante na vida, ou, pelo menos, no sucedâneo de vida de que gozam os fantasmas. Que olha para a frente e vê um futuro definido e tranquilo. Que sua vida está resolvida e bem embalada. Que nem desconfia que esse embalo vai servir só para aumentar o tamanho do tombo. Fica andando por aí, como se vivo fosse, pelo apartamento claro e amplo que habita. De vez em quando fico olhando enquanto ele faz jantar para dois, blissfully unaware de que a vida não é como ele pensa.

Quando falam em assombração, a gente pensa em lugares antigos, escuros, lúgubres. Fantasmagóricos, enfim. Castelos ingleses. Abadias normandas. Velhas senzalas abandonadas. Não é bem assim: o mesmo apartamento modernoso que aquele fantasma assombra, que tem por fachada uma enorme janela e tanta iluminação natural que chega a incomodar, é morada, também, de outro espectro, esse de aspecto mais típico. Aquelas coisas que a gente espera de fantasma: pálido, olheiras, 60 quilos esquálidos distribuídos por seu metro-e-oitenta. Esse não assobia. Nem faz jantar. Quando muito, olha com pena, ou raiva, ou pena e raiva para o outro fantasma.

Eu olho para os dois e xingo as páginas amarelas porque não encontro anúncio de exorcista que ajude a gente a se livrar de fantasma de si mesmo.