19 de dez. de 2013

Intraduzibilidade

Queria uma palavra em português
com sentido igual ao de blasé
ou, caso a língua pátria não a aceite,
outra que diga o mesmo que jaded.
Mas, ai de mim, que não é fácil
esta nossa derradeira flor do Lácio.
E, sem encontrar nela toda
palavra ou expressão mais família
que diga o que eu, se pudesse, diria,
digo, então, “quero mais é que se foda”.

28 de out. de 2013

A Anta

"Tyger! Tyger! burning bright / In the forests of the night"
W. Blake, The Tyger

Anta! Anta! Baça chama
Pelo chão de Pindorama, 
De que mente doentia 
Vem tua enorme letargia? 

Em que abismo ou firmamento
Fez-se teu olhar tão lento?
Quem, tomado de preguiça,
Deu-te luz assim mortiça? 

Qual engano & inação
Fez-te fraco o coração?
E esse estorvo que tu és,
Que terríveis mãos & pés? 

Que gambiarra ou improviso
Fez-te assim, tão sem juízo?
Que artesão meia-tigela
Deu-te à luz sem mais aquela? 

Quando riram-se as estrelas
Das tuas falhas ao bem vê-las,
Quem te fez achou-te um brinco e
Fez, também, o ornitorrinco? 


Anta! Anta! baça chama
Pelo chão de Pindorama,
Ai, que mente doentia
Fez-te tonta assim, um dia?

26 de mai. de 2013

Wordslinger

Shush, wordslinger, pen for hire,
shush, get back to work, now.
It matters not,
and no one cares,
that after a year or so of utter drought
A flood of poetry comes pouring down.
Lest you forget,
you’re bought and paid for
– look, it says so right there,
on page two, clause 3.4.
There’s a book you must write, wordslinger;
there’s goals to meet,
there’s bills to pay,
and there’s a deadline.
Never mind that it’s Sunday;
that it’s nice and warm out there on the street.
Lay aside meter and rhyme,
and for fuck’s sake, put down that beer.
There’s this boring book you said you’d write.
So quit your whining, get a grip,
and stop wasting the client’s time.
You’re bought and paid for, and that’s a fact;
7,000 words of tripe

– and you’re not even half done yet.

9 de mar. de 2013

Usura


Se é uma costela que devo,
Aqui a tens. É tua.
Dou por liquidada a fatura.
Não basta a costela?
Não será o suficiente?
Leva duas.
Leva, também,
Este rádio, esta fíbula,
A mandíbula, os dentes.
Leva-me todo o esqueleto.
Que cada osso se aguçe,
Vire lâmina, estilete,
Rompa a carne macia,
A pele sutil, e perfure
Seu caminho até a saída.
Leva contigo essa ossada,
Tudo que há em mim de rígido e duro.
Tens duzentos e seis ossos aqui:
Agora há de ser o bastante
Para quitar o principal e os juros
E, se houver, multa de mora
Desse empréstimo que nunca pedi.

24 de jan. de 2013

Machadadas



Ao que parece, os bons poetas
fazem poesia com amor,
com encanto, devoção e recato,
com a pena e a lira,
as ferramentas mais delicadas.

E se assim é,
e se eles são assim, de fato,
devo ser, então, se tanto,
poeta de mentirinha:
faço a minha a machadadas.

#mãe, haiquei

Agora,
Qualquer bosta de três linhas
É hai-kai.

11 de jul. de 2012

São Paulo, 4h37


De madrugada, uma garoa fina –
Quase neblina, brumas –
Caía à toa, como quem não quer nada.

30 de jun. de 2012

Cimento, Argamassa e outros Quetais

a soma dos quadrados dos catetos
é igual a um arremedo de musa.

antipoesia matemática,
geométrica,
da musa geneticamente arquitetada
(quadrada)
nos laboratórios da nossa macróbia vanguarda;
da musa que não diz nada,
não faz nada,
não é nada.
(-- musa?
-- ossada.)

talvez tenha sido poesia,
um dia.
agora é só concreto:
é rígida e estática e fria;
uma lápide rachada.

Dos Limites do Poder Estatal

Soubesse a Vigilância Sanitária
dos excessos cometidos
sob a égide do sexo,
interditar-nos-ia a todos,
sem que recurso coubesse,
ex offício a genitália.


Tentativa de Invasão

Cresce uma flor no meio-fio
(talvez alguma espécie
de lírio silvestre),
pétalas e sépalas intrépidas
através de uma trinca no concreto.
Mas logo virá a roda de uma bicicleta,
ou a equipe de limpeza do prédio,
acabar com a festa da penetra.

As flores são, mesmo, idiotas completas.