5 de out. de 2011

O Pesadelo de Xerxes

Estouro da manada
de elefantes impossíveis.
Rugem fileiras cerradas
de couraças siderúrgicas,
entranhas mecânicas
de estranhas ligas secretas.

Respiram fuligem:
as trombas eretas
exalam funis de fumaça,
emitem barridos balísticos,
rajadas, parábolas,
projéteis precisos.

Elefantes de ferro
no solo da Pérsia.
Pegadas no deserto,
rastros de esteira e lagarta
nas areias do Levante.

21 de set. de 2011

Roleta Russa

Jogar consigo o maior dos jogos de azar.
inspirar fundo, expirar. Apertar o gatilho, agora.
Sem saber se a bala no cilindro do revólver,
fosse ela ponteiro sobre a face de um relógio,
marcaria doze horas.

9 de set. de 2011

Pele

Pisa-te mal quem te acha feia.
Mas não eu, que te sei,
sob a máscara rude, delicada.

Pisa-te mal quem te tem medo e te acha fria.
Mas se te piso, São Paulo amada,
é como quem acaricia.

Cada passo a que me atrevo sobre o asfalto,
cada toque dos sapatos sobre as tuas avenidas
é como um afago, um agrado
sobre a pele da mulher querida.
Se percorro as tuas ruas e te toco o calçamento,
toco como quem toca, leve e lento,
as costas nuas da namorada.

30 de ago. de 2011

PoesiaPod

PoesiaPod é um novo projeto do poeta Pedro Tostes com engenharia de áudio do Tomás Sá.
A cada semana o site põe no ar três poemas recitados (ou falados, mesmo) pelo autor, junto com fotos da sessão de gravação e dois ensaios curtinhos do Pedro: um sobre como rolou cada etapa; o outro sobre o material do autor da semana.
Primeiro foi o Ivan Antunes. Depois veio o Daniel Minchoni. Em seguida, o Donny Correia. O quarto da fila foi este vosso humilde servo. E vem muito mais por aí. O Pedro me disse quem são os já confirmados, mas não quero estragar a surpresa.
E os caras ainda inventaram de dar um para o comentário mais legal de cada semana no site.
Vai lá que vale a pena!

Alma Lisa

Explicar a poesia:
Empreitada tão vã, tão fútil,
tão irmã do desespero
quanto olhar no olho uma doze,
encarar sua órbita vazia
pra ver quem pisca primeiro.

20 de ago. de 2011

Buquês de Rosas Vermelhas

Olha a mulher que se acha feia.
Em casa, sozinha
numa noite de sexta-feira.

Uma taça de vinho
(é noite de sexta-feira).
No banheiro,
defronte o espelho,
a mulher que se acha feia
fita-se de frente e de lado,
brinda com seu reflexo
e sonha ver-se linda.
E sonha ver-se amada.

A mulher que se acha feia
reclinada na banheira.
Um livro e uma taça de vinho.
E o sonhar em segredo
com toques de dedos
que a conheçam tão bem
quanto ela se conhece.
Um breve tremer de pernas nuas.
Um gemido. Uma lágrima. Duas.
(a mulher que se acha feia, estranhamente,
chora, quando goza, o companheiro inexistente).

Gillette e uma taça de vinho.
A mulher que se acha feia,
com gestos bem calculados,
esculpe com todo o cuidado
os contornos dos pelos do púbis
que ninguém irá tocar.
E imagina ver no fluxo
dos jatos da jacuzzi,
surgindo dos pulsos,
buquês de rosas vermelhas
que ninguém jamais lhe deu.

9 de ago. de 2011

Coito

Seja a tinta o esperma.
Seja o sêmen
que despeja o pênis/pena
sobre a página vazia.
Seja a página a vagina
que o acolhe.
Que gera o poema.
Seja o poema sua prole.

24 de jul. de 2011

Meteorologia

Ela entra, irritada, e fala
da tempestade repentina,
da previsão do tempo,
da maldita sombrinha
largada num canto da sala.
Pouco escuto, mais atento
aos bicos dos seios
aguçados pelo vento;
às curvas que o tecido da camisa,
molhado de chuva,
em vez de ocultar, enfatiza.

16 de jul. de 2011

Código Coletivo

A Sandra Santos está com uma exposição bacanaça no Castelinho de POA. Segundo a prória:


"o enigma: código a ser desvendado, texto a ser capturado
o leitor é chamado a interagir no espaço entre texto e código...

Qr é uma modalidade bidimensional do código de barras: aquela figura antipática que exibe o preço do livro que é lido exclusivamente pela máquina.

A Exposição CODIGO COLETIVO reúne mais de cem poetas contemporâneos, cujos poemas foram codificados em QR, isto é, transformados em imagem, e projetados na parede. A proposta é de que que o leitor capture essas imagens através de um celular.

O Projeto, numa primeira fase, envolve professores e alunos das escolas da comunidade. As escolas, ao visitar a exposição, recebem adesivos dos poemas para colar em seus murais e participam de sorteios de vários objetos (camisetas, canecas, imãs, cadernos) com os códigos coloridos dos poemas, para vestir e usar poesia, literalmente. O sucesso do projeto entre os jovens leitores pode ser conferido nestes flashes das visitas.

Os poetas integraram a exposição, também em clima de mistério. Ninguém sabia dos demais participantes e nem mesmo que seus poemas seriam estudados e "colados" pela cidade. A única exceção era Laís Chaffe, do Cidade Poema, parceira e "expert" quando o assunto é colocar a poesia na rua e lhe dar asas.

Para completar o clima de mistério, a visita à exposição também é uma oportunidade de conhecer todo o Castelo do Alto da Bronze, que só abre suas portas em momentos especiais, como este. O Castelinho do Alto da Bronze é uma lenda urbana de Porto Alegre. O lugar já até protagonizou livro: A prisioneira do castelinho do Alto da Bronze [romance-reportagem sobre o imaginário urbano porto-alegrense dos anos 1940 sob influência da literatura e do cinema], de Juremir Machado.

Poetas que integram a Exposição:
Ademir Antonio Bacca - Ademir Assunção - Ademir Demarchi - Alberto Al-Chaer -Alexandre Brito - Allan Vidigal - Alma Welt - Alvaro Posselt - Ana Melo - Andrea Del Fuego -Andreia Laimer - Antonio Carlos Secchin - Armindo Trevisan - Astier Basilio - Augusto Bier - Barbara Lia - Barreto Poeta - Carlos Seabra - Celso Santana - Claudio Daniel - Cristina Desouza - Cristina Macedo - Diego Grando - Diego Petrarca - Dilan Camargo - E. M. De Melo e Castro - Edson Cruz - Eduardo Tornaghi - Elson Fróes - Estrela Ruiz Leminski - Fabio Bruggmann - Fabio Godoh -
Fabricio Carpinejar - Floriano Martins - Frank Jorge - Frederico Barbosa - Gilberto Wallace Battilana - Glauco Mattoso - Gustavo Dourado - Hugo Pontes - Igor Fagundes - Isabel Alamar - Jacqeline Aisenman - Jiddu Saldanha - José Aluisio Bahia - José Antônio Silva - José Inácio Vieira de Melo - José Geraldo Neres - Juliana Meira - Jurema Barreto de Sousa - Laís Chaffe - Lau Siqueira - Leo Lobos - Leonardo Brasiliense - Liana Timm - Lucia Santos - Luis Serguilha - Luis Turiba - Luiz de Miranda - Mano Melo - Marcelo Ariel - Marcelo Moraes Caetano - Marcelo Soriano - Marcelo Spalding - Marcílio Medeiros - Marco Celso Ruffel Viola - Mario Pirata - Marko Andrade - Muryel de Zoppa - Nei Duclós - Nicolas Behr - Nydia Bonetti -Orlando Bona Fº - Paco Cac - Paula Taitelbaum - Paulo de Toledo - Paulo Henrique Frias - Paulo Prates Jr - Pedro Stiehl - Regina Mello - Renato de Mattos Motta - Ricardo Mainieri - Ricardo Portugal - Ricardo Pozzo - Ricardo Silvestrin - Rodrigo Garcia Lopes - Rogerio Santos - Romério Rômulo -Ronaldo Werneck - Sandra Santos - Sidnei Schneider - Silas Correa Leite - Susanna Busatto - Talis Andrade - Tchello de Barros - Telma Scherer - Tulio Henrique Pereira -Valeria Tarelho - Wasil Sacharuk -Wender Montenegro - Wilmar Silva

Quando: De 15 a 25 de Julho de 2011 (abertura ao público, as escolas poderão agendar visitas até 30/07/2011)"

http://www.sandrasantos.com/QR-CODIGO.html

10 de jul. de 2011

Fleuma

Gosto de ver como brinca
comigo essa moça,
overdose brasileiro-cabocla
de jeitos e ginga,
de seios e boca.
De como abala a força
a fleuma circunspecta meio gringa,
faz moreno o sangue azul
de um uprooted half-brit
with a stiff upper lip
and a stiff something else, too.

15 de jun. de 2011

Vocação

Passar pela vida como o enorme
cavalo baio da morte,
esmagando o mundo com os cascos.
Não que nem barata tonta,
que causa asco, se tanto,
jamais real dano;
algo mais como um elefante aflito,
paquiderme acometido de brutal labirintite.

6 de jun. de 2011

Dois

Quem tem saco pra essa lida,
essa coisa dividida?
Metade romaria, metade violenta,
um pouco mosh pit,
um pouco dança lenta
que se hoje é calmaria,
amanhã será tormenta
(quem tanto a gente ama,
tem horas que mal aguenta).

3 de jun. de 2011

Semântica

“Saudade” é uma palavra bonita
se a gente sabe o que significa
(mas, no fundo, não diz nada).
Melhor diziam os gregos antigos:
“nostalgia”,
que é a dor de sentir falta.

22 de mai. de 2011

Santuário

Quando talvez não me encontre,
não me procure
no escuro onde me escondo:
não é seguro (aqui há monstros).
Aqui, apenas vento frio,
água parada, rocha dura.
E nós, os monstros.

28 de abr. de 2011

Haikai tem kigo
e tem sempre 17
5-7-5

5 de abr. de 2011

Servil

Se quiser, conte comigo
para nunca estar sozinha.
Deixe aos meus cuidados
a faxina e a cozinha,
levar as crianças pra escola
e fazer supermercado
(se quiser vir junto, obrigado,
mas nem pense em levar as sacolas).
Pra pregar botão, trocar pneu,
pagar conta no banco, varrer a calçada,
saiba a quem recorrer: eu.
Posso até lavar sua roupa,
passar as peças mais delicadas.
E pras horas em que isso não baste,
deixo ao seu serviço e vontade
meu pau de dez polegadas.

16 de mar. de 2011

Global Alfa

Há um pouco do agreste
aqui no Sudeste;
ecos da caatinga
no concreto de Piratininga.
Há algo dos pampas
no asfalto de Sampa
e o ar paulistano
traz consigo um quê do minuano.

Nas alamedas dos Jardins,
pedaços de Roma, Chicago e Berlim
e a Terra da Garoa
vai ser sempre um pouco Lisboa.

E ainda que revelem-se aqui
(que não se negue e nem sejamos omissos),
nas favelas e cortiços,
reflexos de Somália e de Haiti,
esta terra-mãe adotiva
que é um pouco Inglaterra, Japão e Bolívia
é o que é porque é tudo isso.

13 de mar. de 2011

Culto

Adora-me, genuflexa,
sê hetaera e ninfa,
venera em mim Príapo e Pã.
Recebe entre as mãos
o ícone e signo da tua devoção.
Acolhe sobre a língua
o sacramento, a eucaristia
que te dá teu deus pagão.

10 de mar. de 2011

Já Deu, Né?

Ai, musa, liberta-nos do jugo
de marginais de boutique
e malditos de araque.
De beats requentados
que soam como tradução do Google
de Ginsberg e Kerouac.

Conclusão

Lida a crítica de cabo a rabo,
devassada a teoria literária,
constato o inconteste fato:
um poema só é bom quando agrada
tanto a quem conhece o riscado
quanto a quem não manja nada.

8 de mar. de 2011

Post-It

Lembrete aos poetas,
citando João Cabral:
um poema é um dejeto,
é apenas um excreta,
um detrito, afinal,
que o cérebro expele
como o corpo expele merda.

4 de mar. de 2011

Aqui

Aqui, onde espreitam, escondidas,
as vozes eternas que recitam
as cartas que deixam os suicidas;
onde nascem as dores sem cura
dos membros fantasmas dos amputados;
aqui, onde escondes teus segredos
e ocultas teus medos e vergonhas,
te aguardam os pesadelos que sonhas.

3 de mar. de 2011

Alheio

Ausente do mundo que o desabriga,
um menino sem nome inspira o fogo
que arranca à força de dentro da pedra.
No torpor induzido a que se entrega,
inspira trevas pra tapar o oco,
o vazio que lhe preenche a barriga.
É um dia, mais um dia da refrega
de seu corpo esquálido, parco e pouco
com um mundo que o quer morto. Quem liga?

Convite

A quem possa interessar
foi criado aqui no bar
um puxadinho, um anexo
pra falar de prosa e verso.
Ficam, assim, convidados
os membros do BDE
e quem mais também quiser
pra saleta aqui ao lado.
Mas avisamos: cuidado!
Lá dizemos a verdade
(que, sabe-se, às vezes arde)
sem reservas, nem frescura:
não se dá apoio e alento
à mera mediocridade
nem à falta de talento.
E se as críticas são duras
não há nisso má vontade:
trata-se apenas, de fato
de não mais deixar barato
atentados contra a língua;
de não mais alçar o tosco
o comum, ou o mau gosto
às alturas de obra-prima
e deixar a arte à mingua.

Feito, assim, o alerta,
fica desde já aberta
esta nova filial
à vossa visitação.

Sem mais para o presente,
Firma, respeitosamente
(p.p. Allan Vidigal),
O Clube de Gamão.


(Este nasceu de uma brincadeira na comunidade orkutiana Bar do Escritor)

22 de fev. de 2011

Cautela

Atentai ao que vos digo,
escutai, varões, o conto,
triste sina de um amigo
que, de um golpe, viu-se roto.
Não faz mais xixi de pé:
do seu membro outrora altivo
não sobrou senão um toco.
Dai-vos conta deste aviso,
não façais ouvidos moucos –
não useis o fecho éclair
se criais o bicho solto.

16 de fev. de 2011

Objetiva

Nas quitandas e esquinas,
com retinas mecânicas;
nos bancos e elevadores,
através de pupilas estreitas,
a Cidade é um animal,
um predador que me espreita
em preto-e-branco ou em cores
com mil olhos de cristal.

14 de fev. de 2011

.GIF Animado

“Agora vai, já tá quase:
falta só por uns anjinhos,
umas letras coloridas,
dois ou três erros de crase.
Métrica? Ritmo? Pra quê?
E daí que é só chavão?
O que importa é que tá lindo
e escrevi de coração”

(nunca sai nada que preste.
Sou mais injeção na testa
que essa poesia canhestra
que grassa pela Internet.
Ah, poesia burra e pobre,
arremedo de literatura:
não vale os bytes que ocupa
nos servidores dos blogs).

12 de fev. de 2011

PB

Caiada de branco a igrejinha da matriz.
Pedra sim, pedra não, caiado o meio-fio.
E os tijolos que demarcam os limites dos canteiros
e os separam dos passeios.
E os troncos das árvores e os postes caiados
(até a altura de um metro e meio).
Caiados os bancos e as colunas do coreto.

Com todo esse branco, com tanto contraste,
como explicar a invisibilidade
do menino que dome com fome e com medo?

3 de fev. de 2011

A Faca

I - Do que É
Resume-se a faca, essencialmente,
a dois principais componentes:
a “Lâmina” e o “Cabo”.
Pelo Cabo seguramo-la,
jamais pela Lâmina,
de tal maneira e tal sorte
que descanse o “Fio”, ou “Corte",
sobre o que se pretende cortar.

II - Do que não É
Jamais confundir ferramentas.
Uma Faca é uma Faca,
não é uma chave de fenda,
nem é tampouco um martelo
No reino dos instrumentos
a Faca é o mais belo;
a Faca é o mais nobre.
Reservam-se-lhe outros usos
que lhe façam jus ao Corte.
Com uma Faca não se quebra gelo,
nem se aperta um parafuso.

1 de fev. de 2011

Enxaqueca

No escuro do quarto,
depois da partida,
tardia e bem-vinda,
do demônio incandescente
que me rasga ao meio a mente,
me oculto e resguardo.
Na casa vazia,
as cortinas me defendem
do sol que queima as retinas.
A bile agre-amarga:
legado da overdose de aspirina,
desse sacramento químico
– exorcismo, salvação –
em que busco alento, alívio,
em vão.

26 de jan. de 2011

Para Ter teu Coração

Que trabalho tu me deste...
se eu pudesse, te diria
dessa angústia, da tensão.
Quem me dera tu soubesses:
tantas noites mal dormidas
para ter teu coração.

Quantos planos malfadados,
quantos erros, quantos medos,
quantas vezes pensei: “Não”.
Mas segui, era meu fardo
te fazer abrir o peito
e assim ter teu coração.

Afinal, um belo dia,
me valeu todo esse esforço
e eu o tive em minhas mãos.
Sobre a pia da cozinha,
temperado com sal grosso,
como é bom teu coração!

17 de jan. de 2011

Tara

Na beira da estrada, mulher de todos, sempre sozinha.
O perfume barato mal cobre a cachaça,
o suor e a fumaça de diesel e gasolina,
o cheiro de borracha de pneu e camisinha.

Parada em parada,
boleia em boleia,
a puta de estrada
tonteia, chapada
de pinga, cansaço e rebite.

A queda, o tropeço
da mulher usada e triste
na beira da estrada:
seu último beijo,
um Volvo seis eixos,
tara de dez toneladas

13 de jan. de 2011

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