Paulo sabia que era perigoso, mas foi assim mesmo. Agora estava lá, perdido no meio do nada, sem comida e sem água. Por todos os lados, areia e mais areia. Não custava nada esperar mais um pouco e montar uma expedição. Mas acadêmico é tão ganancioso com a sua ciência quanto operador de bolsa, com spread de derivativo. Fez tudo escondido e às pressas, foi sozinho, sem saber muito bem o que estava fazendo. Não queria dividir a glória da descoberta com ninguém.
O mapa. Tinha encontrado o mapa enquanto arrumava a papelada do escritório do tio-avô, morto sem deixar filhos e famoso por acreditar em qualquer teoria obscura, por mais maluca que fosse, colecionador incansável de documentos obviamente forjados. Mas este mapa, não. Este era de verdade. Paulo era, provavelmente, a maior autoridade do país – do mundo!!! – em Alvar Nuñez. E o mapa tinha todas as características de um legítimo Cabeza de Vaca. E mostrava claramente a localização da cidade perdida.
Certo que o mapa iria levar à maior descoberta arqueológica das Américas desde Machu Pichu, pegou o primeiro vôo para Quito. Agora ali estava, no meio do deserto de Nazca, a dezenas de quilômetros do povoado mais próximo. A bateria do jipe tinha perdido a carga. Sem rádio e fora do alcance da rede de celular, o negócio era tentar chegar a pé até algum lugar.
Andava há horas. O sol queimava sua pele, mesmo com protetor solar FPS 60. Queimava seus olhos, mesmo com óculos escuros. Cozinhava os miolos. Sabia que logo morreria se não encontrasse ajuda. Ou, pelo menos, água. Já sentia os efeitos da desidratação; ia perder, já, já, o pouco que restava da capacidade de raciocinar. Sabia que estava começando a ter dificuldades para separar a realidade da fantasia: por duas vezes já tinha enchido a boca de terra, pensando que era água. Desespero. Caminhava com a cabeça baixa. Tropeçou e caiu.
Pensou em desistir. Mas, aos poucos, levantou e olhou em volta. E viu, a uns duzentos ou trezentos metros, uma formação rochosa. Se conseguisse subir nela, talvez do alto pudesse ver um rio, um lago, talvez até alguma cidade.
No deserto, é difícil ter uma boa noção de distância. A formação estava a quilômetros de distância. Quando finalmente chegou, já não andava: engatinhava. No estado em que estava, nem pensar em escalada. Começou a acompanhar o contorno da formação, já em franco delírio.
Depois de muito tempo, ou de alguns minutos, já não sabia dizer, mãos, cotovelos e joelhos em carne viva, sentiu a textura do solo mudar. À sua esquerda, um pequeno filete d’água escorria de uma rachadura na pedra, formando uma pequena poça. Convencido de que era apenas uma nova miragem, mas sem nada a perder, começou a lamber o chão. Desta vez era água de verdade. Bebeu e desmaiou.
Voltou a si depois do que provavelmente foram algumas horas. O muro, com o sol mais baixo, lançava uma boa sombra. Já se sentia melhor. Sentou e bebeu um pouco mais de água. Quase restabelecido, pensou de novo em escalar o rochedo e tentar encontrar algum sinal de civilização. Levantou e, afastando-se um pouco começou a procurar por falhas, saliências, qualquer coisa que pudesse usar para subir. Foi então que percebeu uma coisa que teria percebido muito antes se não estivesse delirando. As rachaduras eram uniformes demais. Não era uma rocha: era uma muralha!
Só podia ser a cidade perdida do mapa de Nuñez. Animado, Paulo encheu seu cantil e começou a andar ao longo da construção em busca de uma entrada. Mas andou, andou e andou, sem encontrar. Já escurecia. Decidiu parar por ali mesmo e continuar quando amanhecesse.
Acordou com o raiar do sol e voltou a procurar. Mais uma vez, andou por horas sem achar passagem nenhuma. Finalmente, viu uma poça d'água no chão e percebeu que tinha dado a volta completa. Um muro enorme, circular e sem entrada visível: devia estar enterrada na areia. O jeito era retomar o plano original e escalar. Felizmente, os encaixes entre as pedras não eram perfeitos e não faltavam pontos de apoio. Lenta e cuidadosamente, Paulo escalou a muralha. Devia ter uns trinta metros de altura, no mínimo. Escalava e pensava: do que os construtores tinham tanto medo, para criar algo tão grande? Do que estavam se protegendo?
Finalmente chegou ao topo. Passou as pernas para o outro lado e desceu. Se alguém estivesse do outro lado, talvez tivesse ouvido seus gritos.
Muros geralmente são construídos para proteger quem está do lado de dentro do que está do lado de fora. Mas há exceções.
12 de fev. de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário