19 de mar. de 2009

De gato e rato

É no escuro, no quarto sem cantos vivos ou horizonte, que abro meus olhos. É no escuro, do lado de dentro do cubo de faces pretas, que faço o convite. É no escuro, com fumos de tabaco e assa-fétida, que ergo as cortinas do mundo. É no escuro, ao som de um violoncelo a noventa decibéis, que arranco da terra uma coluna de fogo. É do escuro, agora negro-escarlate, que me lanço em seu encalço. É no escuro que encontro, a cada noite, a sua luz baça. É no escuro que, a cada noite, atrelo seu sono aos cães.

É no escuro, perdido nos vapores, que você cai a cada noite. É no escuro, em ré menor, que um quarteto de cordas toca seu réquiem. É no escuro que você, cordeiro, bale perante os lobos. É no escuro que você, fraco, rasteja em busca de saída. É no escuro que você, fraco, implora por uma saída. É no escuro que você, fraco, jura que mataria seus pais em troca de uma saída. Quando, então, desfaço as amarras, é no escuro que você, fraco, balbucia e soluça obrigados.

É no escuro que pinto seu sono com os monstros da sua infância. É no escuro que corto, noite mal dormida por noite mal dormida, uma por uma, as cordas da sua sanidade.

(Quem mandou se meter com alguém que, um dia, matou um deus?)

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