10 de jul. de 2010

Ímpio

Como vim parar aqui?
Não sei ao certo, confesso.
Já tentei me recordar,
mas sem nunca ter sucesso.

Deve ter sido acidente,
ou então morte matada,
vitimado em latrocínio
num farol, de madrugada.

Afinal, meu hemograma
mais recente foi perfeito
e o doutor me disse são
depois de auscultar meu peito.

O que quer que tenha sido,
disse à vida "até a vista";
faleci, ou fui a óbito,
Como dizem os legistas.

Qual não foi minha surpresa
- eu, que fora sempre incréu -
ao me ver ali, de cara
pro portão que dá pro Céu.

E pensei com meus botões:
"Poxa vida, quem diria
que um ateu tal como eu
estaria aqui um dia?"

E foi justo nessa hora
Que acenou pra mim um anjo
Tomei isso por convite,
Sem demora fui entrando.

"Alto lá!" gritou o tal.
"Tá pensando que é assim?
Aqui temos um processo,
só se entra com check-in."

Maldizendo os burocratas,
lá fui eu tentar a sorte.
E avisei de pronto o gajo:
"Olha, tou sem passaporte."

E o anjão me disse, "Filho,
Isso, aqui, não é problema
o processo é muito simples,
venha cá e nada tema."

Me estendeu um papelzinho
E me deu uma caneta:
"Bota aqui sua rubrica
pra dizer 'tchau' ao capeta."

Foi então que vi ao longe,
Passeando de mãos dadas,
Entretidos em conversa,
Mussolini e Torquemada

Perguntei, então, ao anjo,
"Me responda, ó, potestade:
por que estão aqui os dois
em vez de fritar no Hades?"

Me subiu, então, o sangue
e me deu siricotico.
Rasguei o contrato ao meio
e bradei, "Aqui não fico!"

"Palhaçada!", prossegui.
"Olha aqui, seu querubim,
uma vizinhança dessas
com certeza não é pra mim".

Veio então a trovoada,
pretejou o céu anil,
o anjo deu uma gargalhada
e o chão do céu se abriu.

"Vai-te embora!" ele gritou,
me empurrando, a altos brados.
Ainda pude responder,
"Pois vou, sim, e é de bom grado!"

Refleti durante a queda,
"Que se dane essa doutrina.
Me recuso a ser comparsa
disso que ali se ensina."

Recebeu-me aqui no inferno
um capeta sorridente.
"Que demora", disse ele.
"Vem aqui falar com a gente!"

Resignado à danação,
Outra vez me vi surpreso:
encontrei nas profundezas
meus heróis da vida em peso.

Não que aqui seja perfeito
(a bagunça é muito grande),
mas divido a eternidade
com Platão, Sidarta e Gandhi.

4 comentários:

Larissa Marques - LM@rq disse...

como já disse w me repetindo:
belo, maravilhosamente escrito!
te sigo, bjk!

Flá Perez (BláBlá) disse...

hahahahahahahahahahahahahahahhahaahaa
me espera!

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Juliana M. Mesquita disse...

No mínimo achei muito divertido! :)
Olá.. acabei de conhece-lo através do bloco de notas do Marcelo Novaes, tenho tido grandes surpresas! Muito legal :)

Juliana M. Mesquita disse...

No mínimo achei muito divertido! :)
Olá.. acabei de conhece-lo através do bloco de notas do Marcelo Novaes, tenho tido grandes surpresas! Muito legal :)