7 de abr. de 2009

Paquera

Ela entra no bar, vai até uma mesa onde alguém comemora seu aniversário, cumprimenta as pessoas, olha em volta. Bonita. Muito bonita. Olhos verdes, cabelo preto. Sempre uma combinação perigosa. Vem em minha direção.

"Oi, esta cadeira tá ocupada?"

"Não. Pode pegar."

Mas não, não faltava um lugar na mesa dela. Puxa a cadeira e senta. Vira para o barman.

"Ô! Me dá uma Stella."

Assim, no imperativo. Sem nem uma interrogação no fim pra parecer mais simpática. O cara do bar dá um sorriso cínico, pega a cerveja, abre, serve. Marca a comanda.

A essas alturas a banda começa a esquentar. Ótimo. É para isso que venho aqui. Sei o setlist deles de cor. Tocam neste bar uma vez por mês. A próxima música começa como uma versão groovada de Águas de Março, passeia por Smoke on the Water, volta pras Águas de Março e termina com o teclado brincando em torno do riff de Aqualung. Puta banda.

"Posso pegar um cigarro seu?"

Geralmente funciona, mas nem sempre. Normalmente, num bar de jazz desses mais caros, cabeludo de roupa preta e cara de poucos amigos não é abordado e consegue ouvir música em paz. Problema: até em bar de jazz às vezes aparece mulher que gosta de cabeludo de roupa preta. Especialmente se tiver cara de poucos amigos.

"Pode, claro."

Desde que você fique quieta e me deixe ouvir a banda sossegado. Só que, claro, cometo um erro básico. Acendo o cigarro para ela. Bonita. Muito bonita. Olhos verdes, cabelo preto. Já disse.

"Valeu."

"Foi nada."

Agora fica quieta, sério. Já perdi metade da música.

"Você tá sozinho?"

"Tô. Sempre venho aqui quando tô a fim de ficar sozinho e ouvir música."

Nada sutil, mas costuma funcionar.

"Sua namorada não liga?"

Putz, garota... será que você não se toca?

"Tô solteiro."

"Ah, duvido!"

"É um direito seu."

Quem sabe agora eu consigo voltar a prestar atenção na banda.

"É sério? Você tá solteiro de verdade?"

"Faz diferença?"

Pronto. Agora ela me deixa.

"Não."

A estas alturas já saí do clima da banda. Olhos verdes, etc. Quem sabe rende alguma coisa. No mínimo treino um pouco de esgrima verbal.

"Como assim, 'não'? Você acha que tudo bem se eu tiver namorada, for casado?"

"Agora não tem ninguém com você. E eu tô aqui."

Olha pro lado de lá do balcão:

“Dá outra cerveja.”

De novo no imperativo. É. Vai ser esgrima verbal. Não dá pra simpatizar com quem fala assim com o barman.

“Sei. E se fosse o seu namorado num bar, sem fazer nada de errado, e alguém começasse a dar em cima dele? Você ia gostar?”

“Eu não tenho namorado. E não tô dando em cima de você.”

“Tá, sim.”

“Você é muito convencido.”

“Sou, mas isso não tem nada a ver com a história. O fato é que você tá dando em cima de mim, sim. Se não, estava sentada na mesa do aniversário da sua amiga.”

“Eu não gosto deles.”

“De quem você gosta?”

“Eu gosto de você.”

“Não, não gosta. Você nem me conhece. E eu não gosto de você.”

“Como você pode não gostar de alguém que não conhece?”

“Boa pergunta. Mas não gosto.”

“Quer sair daqui e ir pra algum outro lugar?”

“Boa idéia. Tchau.”

E o pior é que já está tarde demais pra achar outro bar com show de jazz começando.

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