I - SOBRE AS NOTAS
A distribuição das notas foi normal. Dividindo as notas totais por quatro e arredondando para intervalos de meio em meio ponto, 19 poemas (ou seja, mais da metade) ficaram na faixa mediana entre 7,5 e 8,0.
À medida que o Desafio avance e tenhamos mais dados, vou passar a incluir, além do gráfico de distribuição, outro em linhas que dê aos participantes uma representação visual do seu progresso.
Cada jurado tem um ponto de vista diferente e é natural que haja variação entre as notas. Na primeira Provocação, só houve diferença muito grande (2,5 pontos ou mais) entre as notas de três poemas, todos do Grupo 1. Nos três casos, a menor nota foi a minha e a maior foi dada pela Prof.a Eneida. Também nos três casos, os dois outros jurados concentraram-se na vizinhança de algum dos dois extremos.
A pouca divergência entre as notas prova que embora avaliar um poema envolva um componente subjetivo, também depende de critérios objetivos – e são esses que predominam. É disso que vamos falar daqui pra frente.
II - SOBRE O TRATAMENTO DADO AO TEMA
A maioria dos textos enviados (24 dos 34, ou 70%) adotou a solução óbvia do “mimimi” poético, a fórmula do “Oh, como a humanidade é má!”. Os trabalhos que procuraram afastar-se das trilhas já batidas foram beneficiados com notas de modo geral melhores – a média dos poemas mimimi foi de 30,1 pontos; a dos outros foi de 33,3. Ou seja, galerinha: quem evita as soluções fáceis tende a fazer mais pontos. O leitor não tem interesse em ler algo que já leu milhares de vezes antes.
III - SOBRE OUTROS FATORES OBJETIVOS DE AVALIAÇÃO
Outra coisa que prejudicou alguns dos participantes foi abusar dos adjetivos – os que apresentaram esse deslize tiveram média de 29,0, contra 34,4 dos que foram mais parcimoniosos (claro que a coisa, aí, fica meio subjetiva: o que é abusar dos adjetivos?). Não fiz os cálculos para lugares comuns, rimas pobres e erros de português, mas meu chutômetro diz que também para essas características deve haver uma diferença grande em favor dos que as tenham evitado.
III.1 - Adjetivos
Houve dois casos extremos. Num, seis ocorrências nos oito primeiros versos de um só poema: “música suave”, “planeta febril”, “toque gentil”, “novos ares”, “verdadeira mensagem” e “verdes mares”. O mesmo texto também traz “coração sedento”, falsos profetas”, “deserto infinito”, “desafio parco e restrito” e “estranho universo torto”. No outro, sete ocorrências nos oito primeiros versos: “corpos trasladados”, “mentes enfadadas”, “teias emaranhadas”, “correntes enferrujadas”, “ordem invisível”, “muro inefável” e “chuva agradável”. Além desses dois, outros poemas também exageraram um pouco nesse quesito.
III.2 - Lugares comuns, clichês e etc.
O primeiro dos dois exemplos usados para os adjetivos também serviria aqui. E eis algumas ocorrências encontradas em outros textos: “lágrima de saudade”, “esquecer um grande amor”, “[a] tempestade passe (...) [o] sol brilhe (...) [e] venha meu arco-íris”, “coração pulsa”, “fonte de inspiração”, “plumas ao vento”, “sentimentos adormecidos”, “pulsar o coração”, “abala as estruturas”, “atingir a mudança”, “acreditar não é realizar”, “olhar de criança”, “o futuro existe a quem o procurar”, “só o tempo consegue apagar as marcas”, “sem verdadeiros amigos estamos perdidos”, “mundo cão”, “tudo isso é culpa do homem”, “uma humanidade melhor”, “cidadão [que não] para quando ouve uma (...) canção”, “palavras (...) podem mudar o mundo”, “abra a mente”, “mundo de sonhos”, “acredito no amor”, “pureza dos sentimentos”, “nada está perdido quando acreditamos no amor”, “o mundo não muda”, “velhos meninos”, “grito desumano”, “silêncio cortante”, “a vida é crua e má”.
Parei antes de chegar ao fim, mas acho que dá para ter uma boa noção do que quero dizer. Moçada, um lugar-comum só não vai matar um poema. Mas não tem leitor que aguente quando eles abundam.
III.3 - Rimas
Não existe nenhuma lei que obrigue poema a rimar! Gosto de rimas e as uso bastante (até demais, há quem diga), mas não acho que sejam absolutamente necessárias e não vou desgostar de um poema só porque não as tem. Por outro lado, rimas forçadas me incomodam muito, sejam aquelas já carcomidas de tão comuns (pobres ou não), sejam as que, para ocorrer, exigem uma inversão injustificada da frase. Isso quer dizer que vou dar nota baixa para um poema que tenha uma ou outra rima que não me agrade? Não. Mas as rimas incômodas, se predominantes, prejudicam a obra. Alguns exemplos de rimas que, pro meu ouvido, prejudicaram poemas da primeira Provocação:
- “assobiava / cantava / acabava / plantava / cantava (de novo)”
- “inseminação / extinção”; “tolerância / beligerância”; “renováveis / inabitáveis”; “interativos / passivos”
- “febril / gentil”; “infinito / restrito”
- “dor / amor”
- “expressar / tentar / verbalizar / imaginar / incomodar / planejar / lutar / realizar / lutar (de novo) / usar / brincar / acreditar / procurar”
- “criança / esperança”
- “frustrou / tornou / evaporou / desabou / atolou / vazou”
- “invisível / possível”; “inefável / agradável”; “dor / indolor”; “ilusão / razão / coração”
- “alegria / fantasia”; “criança / esperança”, “singelo / belo”; “iniquidade / banalidade”; “canção / emoção”
E por que não dar exemplos do contrário, das rimas que ajudam os poemas a que pertencem? E aproveitar a deixa para tratar, também, de brincadeiras que alguns participantes fizeram com categoria. Poeta, pra mim (eu sei, eu sei, já disse isso um monte de vezes antes), é quem faz malabarismo com as palavras. Mas não é só a mim que agrada esse tipo de coisa e não surpreende que os poemas em que se encontram os exemplos adiante tenham tido notas totais bem altas.
1) Em “Opróbio” (Persefone1202), uma bela aliteração na quarta estrofe, com “chuva / cheiro / chão”. Ainda mais legal porque o ch-ch-ch faz pensar em chuva. (Obs.: precisa tomar um pouco de cuidado com esse recurso: gosto de aliteração, mas há quem não goste; e, em excesso, costuma ser cansativo).
2) “The Wind is Over” (Olívia) não recorre a rimas óbvias. Mas é um dos poucos textos dessa etapa que usou rimas toantes e rimas internas. Por exemplo, nos três primeiros versos, temos:
“fArtas (...) sentIdos
(...) abIsmo (...) palAvras
reduzIdas (...) migAlhas”
Em seguida vem uma toante entre “respostas” e “agora”; depois, uma interna entre “diante” e “diamantes”
Uma coisa bacana é “ao raiar do novo vírus”. A gente começa a ler o trecho, pensa automaticamente em “raiar do novo dia”, se prepara para engolir um chavão e tem uma bela surpresa quando o chavão não vem.
Outra coisa bacana: “diamantes eram só vidro barato ... espatifados ... nem de tapete serviram para o seu amor passar”. A autora – ou o autor, vai saber – pega a musiquinha “se essa rua fosse minha” e vira de ponta-cabeça. Não tem como não gostar.
3) Em “Tempestivo” (Rainha), temos, logo de cara, “olhar para os lados” / “olhos desconfiados”. Mais adiante, uma imagem bem legal em “bilhares de pixels”
III.4 - Ortografia e Gramática
Não houve um número muito grande de erros ortográficos. Mas os gramaticais apareceram em profusão. É importante tomar muito cuidado com verbos (misturar 2a e 3a pessoa, por exemplo, só pode se você souber muito bem o que está fazendo), pontuação (uma vírgula a mais ou a menos pode mudar o sentido de uma frase) y otras cositas más.
Entre um poema excelente com erros de português e outro medíocre sem erro nenhum, ganha o primeiro. Mas entre dois poemas igualmente bons, é natural que vença o que estiver mais bem escrito.
III.5 - Ritmo e Métrica
Achei essa primeira rodada bem fraquinha em termos de ritmo. Muitos dos poemas não tinha ritmo praticamente nenhum. Os que tinham apresentaram, frequentemente, tropeços graves.
E não tinha nenhum poema metrificado! Nenhunzinho! Snif, snif...
III.6 - Outros
Vou deixar este último item para tratar de coisas que não encaixam nos anteriores, mas que acho que merecem destaque.
Uso de palavras “esquisitas” – quando foi a última vez que você ouviu alguém dizer “arrebol”? Pode ser implicância minha, mas dar de cara com uma palavra assim tira boa parte da graça de um poema. E “verbalizar”? Tudo bem, aposto que só na semana passada você deve ter escutado essa umas dez vezes. E aposto que foi mal usada em todas elas.
Redundâncias, pleonasmos, tautologias – “Não é loucura, nem insanidade”. Isso é mais ou menos como dizer “não é abacaxi, nem ananás”. O leitor fica com a nítida sensação de que o poeta está só enchendo linguiça.
Uso de maiúsculas – houve só um caso até agora (que me lembre – tou fazendo isso aqui meio de memória), mas não custa avisar. Tem gente que gosta de enfatizar uma palavra qualquer do texto com maiúsculas. Acho que é um recurso meio preguiçoso: um poeta deve ser capaz de dar a ênfase desejada usando apenas o texto, sem recorrer a maiúsculas, negrito, itálico (que deve ser usado em casos específicos, como termos em língua estrangeira, por exemplo) e, acima de tudo, letrinhas coloridinhas.
Repetição – Repetição é algo que se deve evitar, ou usar com grande parcimônia. Costuma cansar o leitor. Há exceções? Há. João Cabral de Melo Neto, por exemplo, usou esse recurso em alguns poemas. Mas era João Cabral de Melo Neto e ele podia.
Cacófonos – “A chuva bate, gela”. Hem? Que tem a tigela? Esse tipo de coisa desvia a atenção da leitura: fica difícil entrar no clima pretendido pelo autor quando nos vemos dando risinhos involuntários.
Pontuação “esquisita” – Moçada, fujam das reticências. Também resistam à tentação de usar “??”, “!?” e outras combinações de sinais: é mais ou menos como no caso das maiúsculas – o poeta deve ser capaz de usar apenas o texto para dar a ênfase que deseja.
Verborragia, logorréia e outros sinônimos de som igualmente feio – Diversos dos textos acabaram piores do que (ou não tão bons quanto) poderiam ser porque tanto se estenderam que a ideia central acabou diluída. Se você puder dizer em 20 versos o que está dito em 200, por que não cortar uma boa parte do texto? Ou, por outra, por que se dar ao trabalho de esticar até o ponto de ruptura algo que pode já estar bom? Lembra da anedota sobre Michelangelo e como esculpia (“tiro do mármore tudo aquilo que não se parece com Davi”)? Às vezes pode ser uma boa tirar do seu texto tudo aquilo que não se parecer com um poema. Ou que não seja absolutamente necessário para o poema.
IV - CONCLUINDO:
Acho que deu pra entender, né?
Seja original:
nas ideias – se te ocorre uma solução óbvia para a Provocação, é provável que ela também seja óbvia para os demais;
nas palavras – evite lugares comuns, chavões e clichês;
nas rimas – evite rimas pobres em excesso (na dúvida, evite rimas).
Não descuide do português:
a língua é a sua ferramenta de trabalho e deve ser tratada com o devido respeito. Se perceber que não sabe uma coisa, estude. Se for usar a segunda pessoa e não estiver acostumado a ela, pergunte-se, antes, se precisa ser mesmo na segunda pessoa. Se precisar, não custa nada consultar alguma fonte confiável para ver se não está cometendo algum erro.
Tenha cuidado especial com ritmo:
É isso, afinal, que distingue um poema de um texto em prosa. Se não sabe bem o que os jurados querem dizer com ritmo, arrume um tempinho para ler – em voz alta! – uma boa quantidade de poemas de autores consagrados.
Finalmente, se der, termine seu poema uns dias antes do fim do prazo e deixe descansar. Antes de enviar, leia em voz alta e como se não fosse seu. Você provavelmente vai perceber sozinho diversos dos problemas de que falei acima, se houver.
6 comentários:
Ichi..
Ouvirumdum, Hino à Bandeira, Cisne Branco, Hino da Independência: dançaram!
Meus parabéns. Gostei muito do que foi colocado para a apreciação de quem escreve...eu vou tirar proveito da lição.
Perfeito:
aula do Allan.
Análise minuciosa dos trabalhos e dos resultados e justificativa bem dada para a avaliação. Mto legal.
Não, GGG! tem mta rima no ouvirundum.
retumbante/instante
forte/morte
profundo/mundo
estrelado/passado
mil/gentil
Uma ou outra pobre não faz mossa...
Gostei muito de ler este texto, mas estou completamente perdida em coisas básicas .Não sei o dia exato da publicação da segunda provocação e não quero roer a corda.
molly_mell@hotmail.com
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