22 de set. de 2010

Condenado

Só o que fazia era urrar. Ou tentar urrar: não ouvia a própria voz. Debater-se? Como, se qualquer movimento era impossível? Então urrava, urrava por dentro. E só.

Não sabia como tinha ido para o inferno, ou porque. Surpreendia-se, aliás, já que nunca acreditara em vida após a morte, que dizer do inferno como o concebiam os cristãos. Surpreendia-se, que fique claro, nos breves períodos em que tinha lucidez o bastante para surpreender-se com qualquer coisa. Surpreendia-se entre um e outro dos seus já amados surtos de inconsciência completa que a dor causava.

Qual teria sido seu pecado, imaginava, para merecer aquela punição? Privado da visão, como de todos os demais sentidos – a não ser pela dor, a mais completa e perfeita dor, a dor de todas as dores –, não o podia comprovar, mas tinha certeza: sua pele havia sido arrancada e a carne nua passava o tempo mergulhada em óleo fervente. Todo o tempo.

Tempo. Que era o tempo? Quanto tempo? Não podia julgar. Imaginava que o tempo não fazia muito sentido no Inferno, se era eterno. Eternidade. Eternidade e dor eram tudo. Eternidade, dor, urros internos e nada mais.

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Na ante-sala da UTI do setor de queimados, a enfermeira tranquilizava a família:
– Ele não sente dor nenhuma, está em coma profundo.

Um comentário:

HAMILTON BRITO... disse...

Texto consistente e interessante.
Mas eu vislumbraria algo de corintiano nesta alma penada...