Tá. Lembra a Parte I dessa bagaça? Lembra mesmo? Você leu? Ah, então foi você... Bom, deixa pra lá. É o seguinte: esquece. Foi mal, mas esquece. Principalmente a segunda parte do último parágrafo.
Quer saber? Encheu o saco. Encheu o saco ser o cara que respeita o relacionamento dos outros e faz papel de palhaço. Que respeita o relacionamento dos outros, mas quando leva um belo par de chifres continua tratando as pessoas envolvidas com toda a civilidade do mundo. Enfim, que só se fode.
Encheu o saco ser o cara que coloca os interesses das pessoas à frente dos próprios, que para tudo pra dar uma mão na hora que alguém precisa e acaba ficando com a vida atrasada. Que oferece seus contatos pra quebrar galho de meio mundo. Que se vira do avesso pra ajudar quem mal conhece, mas que poucas vezes ouviu de alguém: "e com você, cara, tá tudo em ordem?" Enfim, que só se fode.
Encheu o saco ser aquele cara que serve pra levar pra cima e pra baixo, ficar do lado na balada, servindo de guarda-costas-barra-ombro-amigo, com a vantagem de ainda levantar a bola da acompanhante da noite perante o público em geral, com a barriga de tanquinho, o braço e ombro de vinte anos de arco-e-flecha e a capacidade camaleônica de passar em segundos de aristocrata pra rocker pra inteleco pra seja lá o que for, dependendo do ambiente e da ocasião. E que depois vai pra casa sozinho. Enfim, que só se fode.
Encheu o saco e pronto. Encheu o saco ser bonzinho. Encheu o saco deixar de lado a modelete desmiolada que tá a fim de dar pra ir pra balada com alguém de muito conteúdo e pouca vontade. Encheu, mas encheu muito, o saco deixar passar oportunidade de sexo fácil porque ando meio envolvido com alguém que não sabe o que quer da vida, seja lá quem for. Pois quer saber? Vou pegar a porra do duplex bacana na rua bacana do bairro bacana, a porra dos contatos, a porra dos 9,5% de gordura no corpo, a porra do abdome que muito modelo de moda praia venderia a alma para ter, a porra do QI de cento-e-sessenta-e-lá-vai-pedrada e leiloar pra ver quem dá mais.
Enfim, que se foda.
29 de jul. de 2009
19 de jul. de 2009
O outro
Duvide, minha amiga, de quem diga que ando desgovernado, que vago pela madrugada paulistana com garotas de fama aquém de ilibada. Haverá um engano decerto, que de pronto nego. Quem apronta dessas, garanto, não sou eu, quase santo. É o meu alter-ego.
Onde já se viu tão vil injúria? Alguém dessa estatura, da linhagem mais pura, habituado a jantares de doze talheres, frequentar esses bares com essas mulheres? Pare. Ouça. Ainda paira, moça, o último eco do silvo da flauta. Não são minhas as faltas. E, rápido, conto: "é o sátiro". E pronto.
Acha possível que alguém como eu, um lorde, assim se porte? Perdido, sem norte? Em vez de vernissages, concertos, museus e quartetos de cordas, passar a noite nas rodas dos guetos, nos seus becos? Bobagem. Olha para trás, para baixo; vê as pegadas? Eu calço sapatos de cromo e, às vezes, coturnos. E esses rastros são dos cascos desse animal noturno, o fauno. Juro.
Isso não existe. Percebe? Um membro da elite não se envolve com a plebe. Nem se permite ser visto em qualquer inferninho de mau gosto.Isso é de mim, afinal, o oposto. Preste atenção, é importante. Isso só acontece quando me distraio por um instante e Pã aproveita e assume o volante.
Onde já se viu tão vil injúria? Alguém dessa estatura, da linhagem mais pura, habituado a jantares de doze talheres, frequentar esses bares com essas mulheres? Pare. Ouça. Ainda paira, moça, o último eco do silvo da flauta. Não são minhas as faltas. E, rápido, conto: "é o sátiro". E pronto.
Acha possível que alguém como eu, um lorde, assim se porte? Perdido, sem norte? Em vez de vernissages, concertos, museus e quartetos de cordas, passar a noite nas rodas dos guetos, nos seus becos? Bobagem. Olha para trás, para baixo; vê as pegadas? Eu calço sapatos de cromo e, às vezes, coturnos. E esses rastros são dos cascos desse animal noturno, o fauno. Juro.
Isso não existe. Percebe? Um membro da elite não se envolve com a plebe. Nem se permite ser visto em qualquer inferninho de mau gosto.Isso é de mim, afinal, o oposto. Preste atenção, é importante. Isso só acontece quando me distraio por um instante e Pã aproveita e assume o volante.
7 de jul. de 2009
Toma, Morpheus!
Na hora de escolher
entre a pílula azul e a vermelha
eu, que só faço o que me dá na telha,
engoli de uma vez as duas
(lá vai o maluco do Allan
fazer mais uma das suas).
E foi assim que fiquei assim:
cético, cínico, realista; mas
ainda perfeitamente capaz
de sonhar mais, e mais longe,
do quê ou onde alcança a vista.
entre a pílula azul e a vermelha
eu, que só faço o que me dá na telha,
engoli de uma vez as duas
(lá vai o maluco do Allan
fazer mais uma das suas).
E foi assim que fiquei assim:
cético, cínico, realista; mas
ainda perfeitamente capaz
de sonhar mais, e mais longe,
do quê ou onde alcança a vista.
2 de jul. de 2009
Do Que Não Escrevo
Tem gente que escreve coisas bonitas, fáceis e gostosas de ler. Que sabe pegar algum negócio banal e transformar num textinho interessante e pra cima. Falar das coisas boas que acontecem. Deixar a gente com uma sensação de felicidade quando chega o último ponto final. Eu até que gostaria de saber fazer isso, mas não sei. Já tentei. Não sai nada que preste.
Tem gente que consegue falar de amores felizes e relacionamentos que deram certo. Quando me aventuro a falar de relacionamentos, só sai desastre. Tem gente que fala de amigos, de parentes, que canta e decanta o lado bom da humanidade. Eu, francamente, desconfio que a humanidade em geral, se é que tem um lado bom, faz o que pode pra se livrar dele.
Tem gente que fala do que há de belo na natureza. Eu, quando falo de natureza, é como metáfora ou analogia para as podreiras da vida. Tem gente que fala da bondade de deus. Eu sei que deus não existe e, se existisse, seria um tremendo sádico.
Não me entendam mal. Quem não me conhece e lê isso tudo que eu escrevi aí em cima deve estar achando que eu sou um maníaco depressivo. Um misantropo. Um grande chato, no mínimo. Para esclarecer: de depressivo não tenho nada. Passo a maior parte do tempo de bom humor. E quando me irrito — o que é muito, muito raro — não costuma durar mais do que cinco minutos. Misantropo? Não. Vá lá que seja, eu não curto muito a maioria das pessoas. Mas isso não é ser misantropo, é ser seletivo. Chato? Bom, aí fica a critério de vocês. E, para o caso de alguém estar se perguntando: Ateu? You betcha.
Enfim, aquilo que escrevo não é necessariamente aquilo que sou. Eu escrevo o que me incomoda. Eu escrevo o que detesto. Para mim escrever é emese, é sangria, é tosse. É tirar do estômago algo podre que engoli. Tirar do sangue um começo de sepsis. Botar pra fora a espinha de peixe na garganta. Eu escrevo o que, se não escrevesse, me envenenaria aos poucos. E aí sim, se não escrevesse, quem sabe eu não viraria um chato misantropo e mal-humorado?
Escrevo o que me faz mal. Escrevo o mal. Escrevo morte, medo, descaso, doença, pobreza, burrice, crueldade, traição. Escrevo aquilo que tiro de dentro de mim quando ponho no papel ou no HD.
Não escrever sobre você é elogio.
Tem gente que consegue falar de amores felizes e relacionamentos que deram certo. Quando me aventuro a falar de relacionamentos, só sai desastre. Tem gente que fala de amigos, de parentes, que canta e decanta o lado bom da humanidade. Eu, francamente, desconfio que a humanidade em geral, se é que tem um lado bom, faz o que pode pra se livrar dele.
Tem gente que fala do que há de belo na natureza. Eu, quando falo de natureza, é como metáfora ou analogia para as podreiras da vida. Tem gente que fala da bondade de deus. Eu sei que deus não existe e, se existisse, seria um tremendo sádico.
Não me entendam mal. Quem não me conhece e lê isso tudo que eu escrevi aí em cima deve estar achando que eu sou um maníaco depressivo. Um misantropo. Um grande chato, no mínimo. Para esclarecer: de depressivo não tenho nada. Passo a maior parte do tempo de bom humor. E quando me irrito — o que é muito, muito raro — não costuma durar mais do que cinco minutos. Misantropo? Não. Vá lá que seja, eu não curto muito a maioria das pessoas. Mas isso não é ser misantropo, é ser seletivo. Chato? Bom, aí fica a critério de vocês. E, para o caso de alguém estar se perguntando: Ateu? You betcha.
Enfim, aquilo que escrevo não é necessariamente aquilo que sou. Eu escrevo o que me incomoda. Eu escrevo o que detesto. Para mim escrever é emese, é sangria, é tosse. É tirar do estômago algo podre que engoli. Tirar do sangue um começo de sepsis. Botar pra fora a espinha de peixe na garganta. Eu escrevo o que, se não escrevesse, me envenenaria aos poucos. E aí sim, se não escrevesse, quem sabe eu não viraria um chato misantropo e mal-humorado?
Escrevo o que me faz mal. Escrevo o mal. Escrevo morte, medo, descaso, doença, pobreza, burrice, crueldade, traição. Escrevo aquilo que tiro de dentro de mim quando ponho no papel ou no HD.
Não escrever sobre você é elogio.
24 de jun. de 2009
Poema de amor?
Se eu quero um amor?
Quero, sim, por quê não?
Mas não me venha com esses
de bichinhos de pelúcia,
vinhos caros e bombons.
Quero amor caco de vidro.
De ressaca de bourbon.
Não um amorzinho belo,
amor flores e arco-íris,
serenatas, violinos.
Se vier amor, que seja
concertina, amor tormenta,
tatuagens, overdrive.
Muito menos um amor
com flechinha de cupido.
Seja um amor violento,
um amor bala perdida,
um amor ponto cinquenta,
um amor roleta russa.
E nem me venha com essa
de amor de coração.
Um amor só me interessa
se for desses que se sente
como um soco no estômago
e, de resto, tão sutil
quanto um bom chute no saco.
Quero, sim, por quê não?
Mas não me venha com esses
de bichinhos de pelúcia,
vinhos caros e bombons.
Quero amor caco de vidro.
De ressaca de bourbon.
Não um amorzinho belo,
amor flores e arco-íris,
serenatas, violinos.
Se vier amor, que seja
concertina, amor tormenta,
tatuagens, overdrive.
Muito menos um amor
com flechinha de cupido.
Seja um amor violento,
um amor bala perdida,
um amor ponto cinquenta,
um amor roleta russa.
E nem me venha com essa
de amor de coração.
Um amor só me interessa
se for desses que se sente
como um soco no estômago
e, de resto, tão sutil
quanto um bom chute no saco.
22 de jun. de 2009
De Árvores e Avatares
Por onde andará Omar Khayyám? Será que chora pelas mulheres de véus negros prensadas contra as grades pela tropa de choque? Será que tenta estender as mãos sobre elas enquanto suportam, bravas, os cassetetes? Será que é sua voz que ouvimos vinda do homem que, do outro lado das grades, grita com a soldadesca? Será que é de Khayyám a mão que tenta, desesperada, trazer Neda de volta? Será Khayyám quem urra quando ela fecha os olhos?
Será que Khayyám se sente tão impotente quanto a gente, que vê tudo tão de longe que daria na mesma estar morto há séculos? Será que tem internet no Paraíso? E, se tem, e se é que Khayyám lá está, será que pinta seu avatar de verde numa tentativa frustrada de se sentir menos distante?
Neda sangrou pela boca, pelo peito, pelo nariz, em praça pública, na frente do mundo todo. Será que a gente se pintar de verde na Internet está de qualquer maneira à altura de Neda pintada de vermelho por um covarde?
Jefferson bem que avisou: a árvore da liberdade exige rega ocasional com sangue. Dos patriotas e dos tiranos. Fez bem o velho Thomas ao enunciar nessa ordem os sacrifícios. Porque parece que sangram os patriotas mais do que os tiranos.
Será que Khayyám se sente tão impotente quanto a gente, que vê tudo tão de longe que daria na mesma estar morto há séculos? Será que tem internet no Paraíso? E, se tem, e se é que Khayyám lá está, será que pinta seu avatar de verde numa tentativa frustrada de se sentir menos distante?
Neda sangrou pela boca, pelo peito, pelo nariz, em praça pública, na frente do mundo todo. Será que a gente se pintar de verde na Internet está de qualquer maneira à altura de Neda pintada de vermelho por um covarde?
Jefferson bem que avisou: a árvore da liberdade exige rega ocasional com sangue. Dos patriotas e dos tiranos. Fez bem o velho Thomas ao enunciar nessa ordem os sacrifícios. Porque parece que sangram os patriotas mais do que os tiranos.
19 de jun. de 2009
Saindo do Eremitério, Parte I
Lá para meados de outubro do ano passado resolvi que precisava dar um tempo com relacionamentos de todo o tipo. Quem me conhece sabe por quê. Quem não conhece, sorry folks, mas não estou a fim de falar nisso. Sabe aquele dito popular do urubu com azar? Então: eu era o mais de cima de todos, aquele que a gente vê como um pontinho contra o céu (e só se estiver em dia com o oftalmo).
Enfim, lá fui eu pro meu sabático, retiro, chame como quiser. E decidido a lá ficar até ter conseguido engolir, digerir e eliminar um monte de coisa. Queria ter certeza de que não ia contaminar relacionamentos futuros com o lixo tóxico dos anteriores. E, fora uma escorregada no fim de novembro, até que deu para segurar.
Me dei alta lá pro começo de março, com duas decisões tomadas: achar alguém que valesse a pena e, enquanto não achasse, entrar numas de relacionamento casual. É que lá pelos 20, 21 anos eu resolvi que detestava relacionamento casual. One night stand me fazia mais mal do que bem. Mas pensei com meus botões que agora, mais maduro e tal, a coisa ia ser tranquila. E fui atrás das duas coisas. Recapitulando: achar uma companheira bacana e, enquanto não achasse, fazer um monte de meaningless sex.
Quando o povo que me conhece soube que eu estava de volta ao mercado, começou aquela coisa: todo o mundo tentando me vender amiga, prima, filha, ex-mulher (imagino até neguinho pensando, “Putz, quebrar uma pro cara e ainda me livrar da pensão! Quer coisa melhor que isso?”). Começou a coisa com um almoço com uma garota que conhecia pela fama, mas não pessoalmente, e que admiro pacas faz tempo. Na boa, fui para lá com toda a intenção de me interessar por ela. Só que não rolou. Não me entendam mal, sou fãzaço da moça e adorei ter conhecido. Mas — apesar das mãos delicadas e do pescoço esguio, combinação perigosíssima — química? Zero. E tenho certeza de que é recíproco.
Beleza, tudo bem, vamos em frente. Logo depois, outra senhorita, primeiro relacionamento casual. Na hora, bacana. No dia seguinte, nem tanto. Nem vem ao caso comentar. Pensei em encerrar o projeto ali mesmo. Mas eu sou cabeça-dura e resolvi insistir mais um pouco. Mesmo porque, convenhamos, eu estava a seco fazia uns meses.
Mais alguns dates arranjados por amigos, parentes e conhecidos, sem que surgisse a menor faísca de interesse por alguém. Numa festinha em casa de amiga, me aparece uma guria bonita, mas meio estranha, e se mostra altamente disponível. Trocamos telefones e fomos cada um pro seu lado. Umas duas semanas depois, ligo para ela, chamo para ir a um show de amigos e ela topa. Fiquei chupando o dedo a noite inteira. No dia seguinte, telefonou dizendo que teve que buscar uma amiga na rodoviária e sei lá mais o quê, e que topava fazer algo aquela noite. Na dúvida, combinei de encontrar num barzinho de blues onde eu iria estar de qualquer jeito. Outro cano. A essas alturas, melhor passar para a próxima da fila.
Mas não é que a gaja me liga na terça-feira seguinte, lá pelas nove da noite, perguntando se eu não queria ir para a casa dela com uma garrafa de vinho? E não é que eu fui? Mas a moçoila abriu a porta trajada de calça de moleton e camisetão. Frente à cena, pensei aqui comigo, “certo, entendi mal: ela só devia estar a fim de tomar vinho e com preguiça de ir comprar”. Papo vai, papo vem, ela levanta e diz que vai vestir uma roupa mais confortável. Bom, duas coisas. Primeira: mais confortável do que calça de moleton e camisetão? E segunda: nunca achei que alguém dissesse essa frase na vida real.
Enfim, ela foi, levou um tempinho, voltou com uma micro-saia fúcsia na altura do útero e deitou no sofá com as pernas em cima das minhas. Pois quer saber? Broxei na hora. E foi aí que cancelei de vez o projeto bootycall. Não adianta eu tentar ser alguma coisa que eu não sou. Deixando claro — tanto para mim mesmo (vai que eu esqueço) quanto para quem estiver entediado o bastante para ter lido até aqui —, fica aqui registrado: não vou nem me dar ao trabalho de começar algum relacionamento que não tenha algum potencial para ser o último relacionamento que vou começar. E foda-se.
Enfim, lá fui eu pro meu sabático, retiro, chame como quiser. E decidido a lá ficar até ter conseguido engolir, digerir e eliminar um monte de coisa. Queria ter certeza de que não ia contaminar relacionamentos futuros com o lixo tóxico dos anteriores. E, fora uma escorregada no fim de novembro, até que deu para segurar.
Me dei alta lá pro começo de março, com duas decisões tomadas: achar alguém que valesse a pena e, enquanto não achasse, entrar numas de relacionamento casual. É que lá pelos 20, 21 anos eu resolvi que detestava relacionamento casual. One night stand me fazia mais mal do que bem. Mas pensei com meus botões que agora, mais maduro e tal, a coisa ia ser tranquila. E fui atrás das duas coisas. Recapitulando: achar uma companheira bacana e, enquanto não achasse, fazer um monte de meaningless sex.
Quando o povo que me conhece soube que eu estava de volta ao mercado, começou aquela coisa: todo o mundo tentando me vender amiga, prima, filha, ex-mulher (imagino até neguinho pensando, “Putz, quebrar uma pro cara e ainda me livrar da pensão! Quer coisa melhor que isso?”). Começou a coisa com um almoço com uma garota que conhecia pela fama, mas não pessoalmente, e que admiro pacas faz tempo. Na boa, fui para lá com toda a intenção de me interessar por ela. Só que não rolou. Não me entendam mal, sou fãzaço da moça e adorei ter conhecido. Mas — apesar das mãos delicadas e do pescoço esguio, combinação perigosíssima — química? Zero. E tenho certeza de que é recíproco.
Beleza, tudo bem, vamos em frente. Logo depois, outra senhorita, primeiro relacionamento casual. Na hora, bacana. No dia seguinte, nem tanto. Nem vem ao caso comentar. Pensei em encerrar o projeto ali mesmo. Mas eu sou cabeça-dura e resolvi insistir mais um pouco. Mesmo porque, convenhamos, eu estava a seco fazia uns meses.
Mais alguns dates arranjados por amigos, parentes e conhecidos, sem que surgisse a menor faísca de interesse por alguém. Numa festinha em casa de amiga, me aparece uma guria bonita, mas meio estranha, e se mostra altamente disponível. Trocamos telefones e fomos cada um pro seu lado. Umas duas semanas depois, ligo para ela, chamo para ir a um show de amigos e ela topa. Fiquei chupando o dedo a noite inteira. No dia seguinte, telefonou dizendo que teve que buscar uma amiga na rodoviária e sei lá mais o quê, e que topava fazer algo aquela noite. Na dúvida, combinei de encontrar num barzinho de blues onde eu iria estar de qualquer jeito. Outro cano. A essas alturas, melhor passar para a próxima da fila.
Mas não é que a gaja me liga na terça-feira seguinte, lá pelas nove da noite, perguntando se eu não queria ir para a casa dela com uma garrafa de vinho? E não é que eu fui? Mas a moçoila abriu a porta trajada de calça de moleton e camisetão. Frente à cena, pensei aqui comigo, “certo, entendi mal: ela só devia estar a fim de tomar vinho e com preguiça de ir comprar”. Papo vai, papo vem, ela levanta e diz que vai vestir uma roupa mais confortável. Bom, duas coisas. Primeira: mais confortável do que calça de moleton e camisetão? E segunda: nunca achei que alguém dissesse essa frase na vida real.
Enfim, ela foi, levou um tempinho, voltou com uma micro-saia fúcsia na altura do útero e deitou no sofá com as pernas em cima das minhas. Pois quer saber? Broxei na hora. E foi aí que cancelei de vez o projeto bootycall. Não adianta eu tentar ser alguma coisa que eu não sou. Deixando claro — tanto para mim mesmo (vai que eu esqueço) quanto para quem estiver entediado o bastante para ter lido até aqui —, fica aqui registrado: não vou nem me dar ao trabalho de começar algum relacionamento que não tenha algum potencial para ser o último relacionamento que vou começar. E foda-se.
11 de jun. de 2009
Predadores
Uma coisa que nunca vou entender é por quê diabos as pessoas são incapazes de admitir que são, sim animais. Animais como quaisquer outros. Tá bom, que seja, não como quaisquer outros porque vivem em sociedade, em grupos muito maiores do que recomendariam seus instintos e, por isso e para isso, têm que aceitar certas regras. Já diziam os xarás do tigre do Calvin e daquele cara do Lost.
Cada um de vocês é um primata. Só primata, não: primata e predador. Nós somos uns monstros de uns predadores territoriais. Altamente bem-sucedidos, diga-se. Sabem por que, entre outros motivos, a evolução nos deu um cérebro tão grande? Porque podia. E por que podia? Porque a dieta dos nossos antepassados incluía muito mais proteína do que a dos outros primatas superiores. Por isso dava para desviar uma quantidade maior de matéria-prima para a massa cinzenta.
Esses olhos que você tem na frente da cara? Traço típico de mamífero predador: de leão, de lobo, de carcaju, de ariranha. Olhos com eixos paralelos dão noção de distância, para saber onde, exatamente, está o bichinho que você vai comer daqui a pouco. Olhos colocados ao lado da cabeça — como os do carneirinho, da vaquinha, da cabrinha, do coelhinho — dão uma visão de campo muito maior, para saber de onde vem o cara que quer te comer. Quem é predador pode se dar ao luxo de não ter visão periférica tão ampla: o mais provável é que ninguém vá se meter com ele, ou ela.
Por que é mais fácil correr rápido do que correr longe? Por que alguém que esteja numa forma física apenas razoável consegue correr 100 metros rasos num tempo, afinal de contas, não tão distante assim do recorde mundial, mas é absolutamente incapaz de correr uma maratona? Porque predador não tem que correr longe. Só tem que correr mais do que a presa. Se puder correr longe e rápido, tanto melhor, parabéns a quem faz isso e tudo o mais. Mas não é a nossa aptidão natural.
Admitam, queridos. Pelos critérios que nós mesmos estabelecemos culturalmente, o homem é mau (agora vocês entenderam porque não falei do Rousseau no primeiro parágrafo, espero). Só que os critérios são cretinos, sinto informar. E causam muito mais problemas do que resolvem.
Falando sério, acho mesmo que a maioria dos nossos grandes problemas sociais vem do fato de que a maioria das pessoas pensa que é algo especial, criado à imagem e semelhança seja lá de quem ou do quê for, ou para cumprir seus desígnios. Nesse sentido, até muita gente que se dia atéia se comporta como se não fosse. Acordem, crianças: cada um de vocês é, sim, um predador. É, no fundo, muito pouca coisa além de um bicho que come outros bichos (nem me deixem começar a falar de vegetarianismo). E a sua vida vai ficar bem mais fácil na hora em que vocês admitirem.
Quem sabe que é bicho aprende a lidar com isso. E não estoura na hora errada. Nem pede arrêgo se não precisar. Sabe a reação que você tem quando leva um susto? Ou quando fica muito, muito puto? Isso se chama fight-or-flight response (claro que eu podia escrever “reação de lutar ou fugir” mas fight-or-flight soa muito melhor e, além disso,estou montando um case para outro texto). Não vou entrar em detalhes de sistema nervoso simpático, hipotálamo ou acetilcolinas. Mas o fato é que, sob condições de estresse, o corpo se prepara para lutar ou fugir. Infelizmente, hoje em dia, a maioria das pessoas está tão cagona (diga-se de passagem, a expressão vem de um dos efeitos da tal reação) que vai direto pro lado do flight, simplesmente porque é incapaz de lidar com a sensação. Quem sabe o que está sentindo, não surta com isso. Usa. Se for fight, fight. Se não der pra encarar, paciência, flight. Só que o povo está tão desacostumado que reage a qualquer coisinha e pronto, já viu, ou arreda pé sem motivo, ou solta os cachorros em cima de alguém que não tem nada a ver com nada.
Aceitem, meus caros: vocês são, sim, uns monstrinhos. Encarem a realidade e facilitem as próprias vidas.
Cada um de vocês é um primata. Só primata, não: primata e predador. Nós somos uns monstros de uns predadores territoriais. Altamente bem-sucedidos, diga-se. Sabem por que, entre outros motivos, a evolução nos deu um cérebro tão grande? Porque podia. E por que podia? Porque a dieta dos nossos antepassados incluía muito mais proteína do que a dos outros primatas superiores. Por isso dava para desviar uma quantidade maior de matéria-prima para a massa cinzenta.
Esses olhos que você tem na frente da cara? Traço típico de mamífero predador: de leão, de lobo, de carcaju, de ariranha. Olhos com eixos paralelos dão noção de distância, para saber onde, exatamente, está o bichinho que você vai comer daqui a pouco. Olhos colocados ao lado da cabeça — como os do carneirinho, da vaquinha, da cabrinha, do coelhinho — dão uma visão de campo muito maior, para saber de onde vem o cara que quer te comer. Quem é predador pode se dar ao luxo de não ter visão periférica tão ampla: o mais provável é que ninguém vá se meter com ele, ou ela.
Por que é mais fácil correr rápido do que correr longe? Por que alguém que esteja numa forma física apenas razoável consegue correr 100 metros rasos num tempo, afinal de contas, não tão distante assim do recorde mundial, mas é absolutamente incapaz de correr uma maratona? Porque predador não tem que correr longe. Só tem que correr mais do que a presa. Se puder correr longe e rápido, tanto melhor, parabéns a quem faz isso e tudo o mais. Mas não é a nossa aptidão natural.
Admitam, queridos. Pelos critérios que nós mesmos estabelecemos culturalmente, o homem é mau (agora vocês entenderam porque não falei do Rousseau no primeiro parágrafo, espero). Só que os critérios são cretinos, sinto informar. E causam muito mais problemas do que resolvem.
Falando sério, acho mesmo que a maioria dos nossos grandes problemas sociais vem do fato de que a maioria das pessoas pensa que é algo especial, criado à imagem e semelhança seja lá de quem ou do quê for, ou para cumprir seus desígnios. Nesse sentido, até muita gente que se dia atéia se comporta como se não fosse. Acordem, crianças: cada um de vocês é, sim, um predador. É, no fundo, muito pouca coisa além de um bicho que come outros bichos (nem me deixem começar a falar de vegetarianismo). E a sua vida vai ficar bem mais fácil na hora em que vocês admitirem.
Quem sabe que é bicho aprende a lidar com isso. E não estoura na hora errada. Nem pede arrêgo se não precisar. Sabe a reação que você tem quando leva um susto? Ou quando fica muito, muito puto? Isso se chama fight-or-flight response (claro que eu podia escrever “reação de lutar ou fugir” mas fight-or-flight soa muito melhor e, além disso,estou montando um case para outro texto). Não vou entrar em detalhes de sistema nervoso simpático, hipotálamo ou acetilcolinas. Mas o fato é que, sob condições de estresse, o corpo se prepara para lutar ou fugir. Infelizmente, hoje em dia, a maioria das pessoas está tão cagona (diga-se de passagem, a expressão vem de um dos efeitos da tal reação) que vai direto pro lado do flight, simplesmente porque é incapaz de lidar com a sensação. Quem sabe o que está sentindo, não surta com isso. Usa. Se for fight, fight. Se não der pra encarar, paciência, flight. Só que o povo está tão desacostumado que reage a qualquer coisinha e pronto, já viu, ou arreda pé sem motivo, ou solta os cachorros em cima de alguém que não tem nada a ver com nada.
Aceitem, meus caros: vocês são, sim, uns monstrinhos. Encarem a realidade e facilitem as próprias vidas.
4 de jun. de 2009
Historinha de Assombração
Às vezes vejo por aí um fantasma que nem fantasma parece. Só de olhar pra cara do fulano a gente vê que é feliz, confiante na vida, ou, pelo menos, no sucedâneo de vida de que gozam os fantasmas. Que olha para a frente e vê um futuro definido e tranquilo. Que sua vida está resolvida e bem embalada. Que nem desconfia que esse embalo vai servir só para aumentar o tamanho do tombo. Fica andando por aí, como se vivo fosse, pelo apartamento claro e amplo que habita. De vez em quando fico olhando enquanto ele faz jantar para dois, blissfully unaware de que a vida não é como ele pensa.
Quando falam em assombração, a gente pensa em lugares antigos, escuros, lúgubres. Fantasmagóricos, enfim. Castelos ingleses. Abadias normandas. Velhas senzalas abandonadas. Não é bem assim: o mesmo apartamento modernoso que aquele fantasma assombra, que tem por fachada uma enorme janela e tanta iluminação natural que chega a incomodar, é morada, também, de outro espectro, esse de aspecto mais típico. Aquelas coisas que a gente espera de fantasma: pálido, olheiras, 60 quilos esquálidos distribuídos por seu metro-e-oitenta. Esse não assobia. Nem faz jantar. Quando muito, olha com pena, ou raiva, ou pena e raiva para o outro fantasma.
Eu olho para os dois e xingo as páginas amarelas porque não encontro anúncio de exorcista que ajude a gente a se livrar de fantasma de si mesmo.
Quando falam em assombração, a gente pensa em lugares antigos, escuros, lúgubres. Fantasmagóricos, enfim. Castelos ingleses. Abadias normandas. Velhas senzalas abandonadas. Não é bem assim: o mesmo apartamento modernoso que aquele fantasma assombra, que tem por fachada uma enorme janela e tanta iluminação natural que chega a incomodar, é morada, também, de outro espectro, esse de aspecto mais típico. Aquelas coisas que a gente espera de fantasma: pálido, olheiras, 60 quilos esquálidos distribuídos por seu metro-e-oitenta. Esse não assobia. Nem faz jantar. Quando muito, olha com pena, ou raiva, ou pena e raiva para o outro fantasma.
Eu olho para os dois e xingo as páginas amarelas porque não encontro anúncio de exorcista que ajude a gente a se livrar de fantasma de si mesmo.
27 de mai. de 2009
O Anti-Clown
É até compreensível que ele se tivesse tornado quem foi. Terceiro e mais novo rebento de pai e mãe que vinham, ambos, de longas e honradas linhagens de palhaços de circo, sentiu-se sempre por eles preterido em favor dos irmãos mais velhos, Hilário e Allegra.
Tristão foi filho temporão, nascido quando seus pais já não pensavam em acrescentar à pequena e perfeitamente equilibrada família de dois adultos e duas crianças, dois homens e duas mulheres. A gravidez inesperada impedira a apresentação de sua mãe no Festival de Milão, justamente no ano em que era considerada franca favorita. Talvez por isso tenha sido nosso protagonista registrado com esse nome, embora o pai sempre jurasse que não.
Mas, tenha ou não sido intencional, é pouco provável que o infeliz apelido possa explicar o caminho que escolheu trilhar Tristão. O fato é que sempre apresentara uma tendência para o dramático e o trágico. Dos três irmãos, fora o único a chorar após o parto sem necessidade de intervenção do obstetra. Manifestara, desde a mais tenra idade, violenta alergia ao pó-de-arroz e à tinta facial. Quando, com a família à paisana numa lanchonete do interior, uma garçonete bem intencionada lhe perguntara o que queria ser quando crescesse, respondeu: “Palhaço” e em seguida teve um acesso nervoso e começou a rir e chorar ao mesmo tempo.
Era um super-vilão, como esses de histórias em quadrinhos. Está bem, que seja: não era exatamente um super-vilão. Não fazia o mundo tremer de medo com sua gargalhada maligna. Nem tinha super-heróis contra quem se bater. Sequer super-poderes tinha. Enfim, sejamos objetivos: Tristão gostava de se imaginar um super-vilão. Fora do horário de trabalho, despia-se da fantasia e vagava incógnito pela cidade em que estivesse, vestido como uma pessoa qualquer, praticando pequenas maldades.
Misturava pimenta no açúcar do algodão-doce e anti-ácido no sal das pipocas, amassava botões de flores antes que pudessem desabrochar e furava os pneus do carrinho de sorvete. Só nessas horas é que surgia entre seus lábios um sorriso verdadeiro.
Tristão foi filho temporão, nascido quando seus pais já não pensavam em acrescentar à pequena e perfeitamente equilibrada família de dois adultos e duas crianças, dois homens e duas mulheres. A gravidez inesperada impedira a apresentação de sua mãe no Festival de Milão, justamente no ano em que era considerada franca favorita. Talvez por isso tenha sido nosso protagonista registrado com esse nome, embora o pai sempre jurasse que não.
Mas, tenha ou não sido intencional, é pouco provável que o infeliz apelido possa explicar o caminho que escolheu trilhar Tristão. O fato é que sempre apresentara uma tendência para o dramático e o trágico. Dos três irmãos, fora o único a chorar após o parto sem necessidade de intervenção do obstetra. Manifestara, desde a mais tenra idade, violenta alergia ao pó-de-arroz e à tinta facial. Quando, com a família à paisana numa lanchonete do interior, uma garçonete bem intencionada lhe perguntara o que queria ser quando crescesse, respondeu: “Palhaço” e em seguida teve um acesso nervoso e começou a rir e chorar ao mesmo tempo.
Era um super-vilão, como esses de histórias em quadrinhos. Está bem, que seja: não era exatamente um super-vilão. Não fazia o mundo tremer de medo com sua gargalhada maligna. Nem tinha super-heróis contra quem se bater. Sequer super-poderes tinha. Enfim, sejamos objetivos: Tristão gostava de se imaginar um super-vilão. Fora do horário de trabalho, despia-se da fantasia e vagava incógnito pela cidade em que estivesse, vestido como uma pessoa qualquer, praticando pequenas maldades.
Misturava pimenta no açúcar do algodão-doce e anti-ácido no sal das pipocas, amassava botões de flores antes que pudessem desabrochar e furava os pneus do carrinho de sorvete. Só nessas horas é que surgia entre seus lábios um sorriso verdadeiro.
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