Essa época do ano, entre Natal e meados de janeiro, costuma ser minha chance de descansar um pouco. Vida de tradutor autônomo é complicada, a gente tem medo de recusar um job e depois ficar sem grana. E acaba entupindo a agenda para além da conta e com uma carga de trabalho sobre-humana.
Mas parece que o mundo dá uma parada nesses quinze, vinte, dias e é aí que eu também paro um pouco pra respirar. Só que esse ano, sabe-se lá por quê, entrou um monte de trabalho justamente agora: tenho cinco artigos para verter para o inglês, sendo dois de economia, dois de gestão de TI e um de sociologia, e seis capítulos de um livro de finanças para traduzir pro português. Isso fora um livro de crônicas que está ameaçando entrar.
Em tempos de crise financeira mundial, não dá pra reclamar. Afinal, entrar uma grana inesperada num momento de pânico generalizado e pouco antes das facadas de IPTU, IPVA e IR é sempre bom. A não ser por uma coisa: não estou conseguindo trabalhar. Acho que por dois motivos.
Um é essa porcaria de blog. Fazia uns quinze anos que não escrevia e, agora que abri as comportas, não consigo parar mais. Começo a verter alguma coisa sobre arquitetura informacional, verticalização corporativa, acumulação primitiva de capital, ou seja lá o que for e, dez minutos depois, percebo que estou com os olhos desfocados e perdidos no espaço, lembrando de uma frase que podia estar um pouco melhor em uma crônica que escrevi ontem, ou numa frase descolada para a que vou escrever amanhã. Daí, logo em seguida, Ctrl+F4, Ctrl+O e pronto, já esqueci do artigo acadêmico e estou às voltas com alguma bobagem minha não remunerada.
O outro é que estou de saco cheio de ficar solteiro. Isso pode não parecer um problema tão grave assim. Eu até que sou razoavelmente simpático, razoavelmente divertido, razoavelmente apresentável e, para quem, se ficar na ponta dos pés, já vê os 40 despontando no horizonte, tenho razoavelmente bastante cabelo e razoavelmente pouca barriga. Enfim, não deveria ser tão difícil achar alguém que se interessasse. E não é mesmo. O problema sou eu.
Ou melhor, os padrões de exigência ridículos que eu estabeleço. Também pudera, depois das últimas três, com quem passei os últimos dez anos e lá vai pedrada. Entre a morena meio gótica, meio pin-up que cozinha melhor que eu e tem um coração do tamanho do universo, a hamadríade ruiva saída de uma tela do Waterhouse e que cita Becquer e Darío de cabeça e a loira escultural com jeitão de supermodel e QI de cientista nuclear, fica complicado achar alguém à altura. As três tão incríveis que, terminados os relacionamentos, são minhas melhores amigas.
Eu bem que tento ser menos crítico, saio, sento sozinho no balcão de algum bar, logo mais não mais sozinho, começo a bater papo, prometendo em diálogo interno tentar ser tolerante, paciente. Mas há limites! Logo a criatura solta um absurdo qualquer que nem a norma popular suporta, diz que adora pagode, tenta me convencer a ir a uma festa imperdível na Vila Olímpia, conta que adora ler, principalmente Bruna Surfistinha e Paulo Coelho. Ou então tem o pescoço e os dedos curtos demais, ou os pulsos e tornozelos grossos demais, ou os olhos separados demais, ou a testa baixa demais. E daí me dá um ataque súbito e incontrolável de urticária, digo que vou tomar um ar e sumo, vou para outro bar, outro balcão. E acontece tudo de novo, com pequenas variações sobre o tema. Até que uma bela hora desisto, volto para casa sozinho e que se dane.
28 de dez. de 2008
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