Olho pela janela e não vejo nada além das copas das árvores e do céu.
É mera ilusão, claro: moro em plena bagunça, a dois quarteirões do cruzamento da Faria Lima com a Juscelino. Há o barulho constante, quase sub-sônico, dos ônibus, que parece penetrar pelas orelhas e ricochetear sem parar dentro do crânio; às vezes, a buzina em que se apóia um motorista mais mal-educado do que a média, como se pudesse forçar o trânsito a andar no grito; mais freqüentemente do que a gente gostaria, entram em cena sirenes das ambulâncias, dos carros de polícia e dos caminhões de bombeiros. Isso sem falar no alinhamento quase perfeito da janela do apartamento com a pista de Congonhas.
Não foi fácil acostumar. Nasci e fui criado no Morumbi, onde tem mais árvores e passarinhos do que motocicletas e caminhões; e onde o canto dos passarinhos às vezes chega a incomodar.
Quando a ex-patroa e eu resolvemos juntar os trapinhos, o critério principal era ficarmos a no máximo três quadras do banco onde ela trabalhava, o que nos deixou bem no meio do bombado Itaim-Bibi. Depois de muito procurar, acabamos encontrando um loftzinho duplex num prédio bacana que tinha tudo o que a gente queria.
Acostumei logo com a nova rotina e me maravilhava com como era tudo tão fácil. Antes de morar aqui, tinha que pegar o carro para tudo: a coisa mais perto da casa dos meus pais era um hipermercado que ficava a mais ou menos um quilômetro — e era um quilômetro bem íngreme. Agora, aqui, tudo fica a um quarteirão ou dois. Praticamente não uso mais o carro. Estou pensando seriamente em me livrar dele.
Chopp? Sushi? Parrilla? Comida veggie? Italiana? Brasileira? Os melhores burgers da cidade? Tudo em cinco minutos a pé. Comprar roupa (saco...)? Montes de possibilidades. Cortar o cabelo (saco, saco!)? Não preciso nem mudar de quarteirão ou calçada. Agora abriu uma ótima loja de vinhos e azeites literalmente do lado do meu prédio. E por aí vai... Quando cheguei aqui, pensei que tinha achado o Paraíso — ou a coisa mais próxima do Paraíso que há por estas paragens. Aos sábados e domingos às vezes acordo tarde e vou até um dos muitos cafés da região; depois volto para casa, cada vez por um caminho diferente, descobrindo lojinhas charmosas que nunca tinha visto antes.
Mas de vez em quando isso tudo me sufoca e sinto falta da calma e da paz de onde cresci. É aí que entra a melhor característica do apê: do meu lugar predileto na sala, olho pela janela e não vejo nada além das copas das árvores e do céu. E finjo que a barulheira da metrópole não existe e que, por um instante somos só nós: eu, as árvores e o céu.
16 de dez. de 2008
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